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A cadeirada na política

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Imagem: TV UOL

Anderson Pires*

O Brasil tem uma democracia jovem. A primeira eleição direta pós ditadura foi em 1989. Naquele pleito ganhou Collor de Mello, em um segundo turno contra Lula. Quem assistiu ao debate na Globo, deve lembrar da forma grotesca como editaram a repercussão no Jornal Nacional, com manipulação orientada pela direção da rede de TV, que tinha preferência explícita.

Naquela mesma eleição, aconteceu o sequestro do empresário Abílio Diniz, que foi solto exatamente no dia do pleito no segundo turno, e os sequestradores foram expostos vestindo camisas do PT e o local do cativeiro filmado com material de campanha do Lula. Uma clara armação com intenção de interferir no resultado.

Qual a relação desses fatos que ocorreram na eleição em 1989 com a cadeirada do Datena no Pablo Marçal em 2024? Notem que duas questões acompanham a política no Brasil invariavelmente: a espetacularização e a marginalização.

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O que deveria ser um espaço para valorização do embate ideológico foi corroído paulatinamente com episódios que tratam a política como uma prática criminosa. No mesmo tempo, as pautas políticas passam a ser recorrentes em programas de jornalismo policial e cunho sensacionalista.

Nesse âmbito, Datena e Pablo Marçal são a combinação perfeita desses elementos. O primeiro é um apresentador famoso pela forma enfática, muitas vezes jocosa, que trata as pautas que aborda em seu programa na TV. Usa sempre um discurso moralista, de cunho conservador e elitista. O segundo é um exemplo de como o crime compensa e que num país, onde o senso de justiça é cada vez mais relativo, ressalta o questionamento: o que haveria de errado em um bandido, com grande apelo midiático virar protagonista na política e ser prefeito da maior cidade do Brasil?

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Pois é, mas essa combinação entre o sensacionalismo propagado por Datena, que sempre criminalizou a política, e o bandido que resolveu ser político nunca esteve no mesmo campo de disputa. Geralmente, a existência desses atores era delimitada pelos espaços que ocupavam.

Porém, de alguma maneira, um dava suporte ao outro. Porque quando Datena expunha o político bandido, dependendo da forma como ele se portava, poderia ter o engajamento de outros tantos que pensam da mesma forma criminosa. Vide o que acontece com Jair Bolsonaro, que constantemente defende absurdos e ilegalidades e tem a adesão daqueles que pensam igual a ele.

A cadeirada do Datena não tem absolutamente nada a ver com enfrentamento político. É a prova cabal de que o debate deixou de existir. O apresentador autoritário que dizia o que queria sem qualquer revide, tinha agora o seu colega bandido dividindo o mesmo espaço e tendo que aturar chacotas que antes estava imune na segurança dos estúdios de TV.

Notem que a campanha para prefeito de São Paulo chega na reta final e não temos absolutamente nada que diferencie significativamente os candidatos. A perspectiva midiática tomou uma proporção tão grande, que mais interessa aos postulantes disseminar videozinhos descolados, do que propriamente promover o embate político.

Se Pablo Marçal tem se destacado pela sua intimidade com essa nova linguagem das redes, o velho Datena, que durante muito tempo usou dos espaços na TV para fazer política mesmo sem ser candidato, agora percebe que seu mundo ficou pequeno e que seria necessária uma cadeirada para furar a bolha.

Na falta de candidaturas com abordagem ideológica, teve até hino cantado em linguagem neutra, como se fosse possível ao mesmo tempo flertar com o pseudopatriotismo dos conservadores e, ainda, agradar os movimentos identitários, como fez Boulos.

A campanha em São Paulo escancara a vala por onde escorre a política brasileira. O debate rasteiro, cheio de sacadinhas divertidas nos posts, serve para nivelar por baixo os debates necessários à sociedade, enquanto a cadeirada vira tema central.

*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.

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