Shows de Gusttavo Lima consomem até 50% de orçamento de cultura de pequenas cidades
Deborah Magagna e Chico Alves, ICL
Conhecido por ostentar um estilo de vida luxuoso e exibir nas redes sociais aviões e iates, Gusttavo Lima teve sua fortuna exposta nos últimos dias por um motivo nada glamouroso. Investigado por envolvimento no esquema de lavagem de dinheiro de jogos ilegais na mesma operação policial que prendeu a “influenciadora” Deolane Bezerra, o cantor sertanejo viu a Justiça bloquear R$ 20 milhões e decretar o sequestro de imóveis e embarcações em nome de sua empresa, a Balada Eventos e Produções.
Fora do foco dessa investigação, porém, há outra fatia importante da renda de Gusttavo Lima que tem origem em uma prática bastante questionável.
Levantamento exclusivo feito pelo portal ICL Notícias revela que só em 2024 o artista faturou R$ 12,3 milhões em onze shows pagos por prefeituras, na maioria cidades pequenas e médias. Para isso os prefeitos usam boa parte do orçamento municipal, algo que pode comprometer outras iniciativas culturais e até o serviço em áreas como saúde e educação.
Na lista há cidades pequenas como Mara Rosa, em Goiás, que tem apenas 10 mil habitantes. No dia 23 de maio, o rei do tchê-tchê-re-re-tchê-tchê foi contratado para show na localidade por um cachê de R 1,1 milhão, o equivalente a 10,35% do orçamento municipal para a área de cultura no ano (R$ 10.629.800,00) e 1,31% do total da verba anual disponível para todas as secretarias (R$ 83.874.936,00).
Dividido o valor do cachê pela população, o resultado é um custo de R$ 102,80 por cada morador de Mara Rosa.
O ICL Notícias enviou perguntas ao prefeito da cidade, Flavio Moura, sobre o alto valor do cachê do artista. Assim que houver resposta será publicada neste espaço. Presidente do PT municipal, Flávia Cavalcante critica o gasto com o show. “É um absurdo. Sou professora e trabalho diariamente em escola que precisa ser ampliada e não é. Enquanto isso, o cara ganha esse dinheiro todo em uma noite?”, questiona ela, em entrevista ao portal. “Tem boas iniciativas sendo feitas pela prefeitura, mas ainda falta muita coisa na cidade: creche, concurso público para professores…”.
No município de Campo Verde, em Mato Grosso, Gusttavo Lima fechou no início de julho um contrato para se apresentar pelo mesmo cachê estratosférico de R$ 1,1 milhão. Nesse caso, o gasto do município com o cantor sertanejo equivale a metade do orçamento municipal para a cultura em 2024, mais precisamente 52,78% . Ou R$ 24,67 por cada um dos 44 mil habitantes.
Gusttavo Lima esteve no alvo em 2022
Há dois anos, o cantor estava no centro do escândalo que identificou prefeituras que comprometiam grande parte do orçamento para pagar altos cachês a artistas sertanejos — exatamente o que acontece agora.
Integrantes do Ministério Público de vários estados entraram em ação e cancelaram algumas apresentações. Os artistas não foram investigados, mas sim as prefeituras que os contrataram por valores considerados desproporcionais à própria receita e tamanho.
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O foco da investigação chamou atenção especialmente porque muitas das estrelas desse gênero musical fizeram duras críticas à Lei Rouanet, por repassar dinheiro público de renúncia fiscal aos artistas — era essa a argumentação de Jair Bolsonaro, a quem a maioria deles apoia. Enquanto diziam isso, vários sertanejos recebiam milhões de reais de pequenas prefeituras do interior.
Entre estes, o maior cachê sempre foi o de Gusttavo Lima. Sua remuneração costuma ser o dobro de outros astros do mesmo estilo.
Ele apareceu aos prantos em um vídeo, em 2022, no qual reclamava das ações do MP e das críticas recebidas. “Não compactuo com uso de dinheiro público, tenho meus impostos em dia”, argumentou, como se os recursos de orçamentos municipais não fossem também dinheiro público.
Após publicar essa mensagem, o cantor reduziu o número de shows contratados por cidades pequenas no restante de 2022 e no ano de 2023.
Como mostra o levantamento do ICL Notícias, essa abstinência não durou muito.
A lista de municípios de 2024 inclui Nova Russas, no Ceará, onde o show quase não aconteceu. Em julho, o Ministério Público entrou com ação requerendo cancelamento do evento “Festeja”, no qual Gusttavo Lima estava incluído, devido aos altos cachês. A juíza Renata Guimarães Guerra decidiu, porém, que não havia elementos suficientes para conceder a liminar solicitada pelo MP.
Em sua decisão, a magistrada destacou que os valores das contratações “foram estabelecidos com base em pesquisas de mercado e notas fiscais, estando em conformidade com os preços praticados”.
Assim, Gusttavo Lima botou no bolso R$ 1,2 milhão pela apresentação na cidade cearense.
João Gomes, integrante do partido Republicanos em Nova Russas e aliado do candidato a prefeito Pedro Ximenes, do PT, critica o gasto. “O show aconteceu no Centro de Eventos, recém-inaugurado e orçado em algo perto de R$ 5 milhões. Um único show custou 20% a obra. Isso não faz sentido”, diz Gomes.
O ICL Notícias enviou e-mail para o gabinete da prefeita da cidade, Giordanna Mano (PL) e assim que houver resposta será publicada aqui.
Além de Mara Rosa, Nova Russas e Campo Verde, os outros municípios em que Gusttavo Lima se apresentou esse ano são Tupã (SP), Icó (CE), Mossoró (RN), Pau dos Ferros (RN), Luis Eduardo Magalhães (BA), Petrolina (PE, Maceió (AL) e Mata Grande (AL).
A legislação permite que shows assim sejam contratados sem licitação. Mas desde 2022 promotores do MP estão atentos a esse tipo espetáculo por outros motivos: tanto pelo alto valor dos cachês quanto por questionar a capacidade das prefeituras de custeá-los.
Outra preocupação dos promotores nesses casos é coibir a prática de lavagem de dinheiro.
Atual secretário Nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo era chefe do Ministério Público em São Paulo, há dois anos, quando fez um alerta sobre essa possibilidade de desvio em contratação de shows feitas por municípios paulistas. “Existem algumas suspeitas e investigações. Porque a contratação pela prefeitura pode ser um ato de limpeza de recursos arrecadados de forma irregular”, afirmou então.
No entanto, nada indica que o MP desses estados vá causar dor de cabeça a Gusttavo Lima, como aconteceu em 2022.
A única preocupação do cantor nesse momento é a investigação que a Polícia Civil de Pernambuco realiza em parceria com o Ministério da Justiça, em que ele está sob suspeita de lavagem de dinheiro de jogos ilegais. Os shows realizados para as prefeituras por enquanto não têm causado stress para o sertanejo, apenas lucros.
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