O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, enfrentou momentos difíceis no último debate antes da eleição, sexta-feira na RBS TV. Melo atrapalhou-se, logo no começo, quando a deputada Maria do Rosário perguntou se ele pedia ou não pedia cloroquina a Jair Bolsonaro na pandemia, quando já se sabia que o remédio milagroso da extrema direita não tinha poderes preventivos contra a Covid, não curava e poderia matar.
O prefeito não respondeu e, pelo silêncio, acabou confessando o que todo mundo sabe, inclusive a direita do MDB, o partido dele. Melo distribuiu muita cloroquina na rede de saúde pública. Ele e o governador Eduardo Leite foram cloroquinistas de primeira hora no Rio Grande do Sul.
Quando era confrontado no debate com investigações de corrupção em quase todos os setores da prefeitura, que resultaram até na prisão de uma secretária de Educação (o prefeito já teve quatro secretários na área), Melo devolvia com: e o PT?
Não sabia explicar quase nada dos danos das cheias, da empresa municipal de ônibus dada quase de graça a uma empresa privada e do lixo acumulado nas ruas de Porto Alegre, porque Maria do Rosário o empurrou para um canto e o imobilizou.
Maria do Rosário foi Maria do Rosário no último momento da campanha. E foi ela quem acabou denunciando, pela postura assumida no debate, que não havia sido essa a candidata do PT nas aparições da campanha na TV e nas redes.
A Maria do Rosário que tantas vezes enfrentou Bolsonaro em Brasília, enquanto os machos se encolhiam, estava de volta. Por que só agora? Por que foi cordial demais na campanha?
Talvez porque a ciência de mercado da política eleitoral, sob o ponto de vista do marketing e das pesquisas ditas qualitativas, venha deformando figuras que se projetaram como nomes nacionais das esquerdas pela intuição e pela autenticidade.
Maria do Rosário pode ter sido uma dessas criaturas que não deram certo como produto numa eleição à prefeitura, depois da construção de uma trajetória de bravura como parlamentar. No debate na TV, sem amarras, já na prorrogação da campanha, foi para o ataque e trouxe de volta o que sempre foi.
Rápida, assertiva, densa, feminina. Lutou como uma mulher diante de um sujeito às vezes deliberadamente lerdo, que espichava respostas e se protegia na vantagem obtida até agora nas pesquisas.
E em São Paulo foi diferente?
Guilherme Boulos foi ao encontro virtual com Pablo Marçal por recomendação desses estrategistas que tabulam dados e projetam cenários e resultados?
Foi isso mesmo, ou Boulos aceitou o ‘diálogo civilizado’, no novo ambiente virtual do embate político, por decisão pessoal, em nome de um velho pretexto de que vale tudo numa hora dessas?
Quanto do verdadeiro Boulos esteve presente na campanha? Dirão cansativamente que todos mudam e que, assim como aconteceu com Lula, a esquerda vai tentando apoiar uma perna ao centro. E que todos sabiam, por antecipação, do avanço da direita nessa eleição. Era preciso ser menos de esquerda.
Pode ser, e para muitos vitoriosos essa estratégia funcionou. Mas qual é o limite dessas concessões? Até que ponto e até quando o marketing eleitoral irá se sobrepor ao talento de políticos amordaçados pela própria estratégia?
Cenários cada vez mais confusos e nublados podem tirar das esquerdas o que essa sempre ofereceu como a força impositiva de impulsos aparentemente irracionais. Maria do Rosário e Boulos são criaturas desses impulsos.
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A face da esquerda envelheceu, ao tentar fazer harmonização, enquanto a direita impetuosa rejuvenesce? São perguntas sobre as formas usadas, que interferem em conteúdos e que acionam interrogações infindáveis.
Como essas. Onde estamos errando e o que podemos fazer? Em nome da racionalidade pragmática, vamos nos aproximar mais do jeito de ser do centro e da direita, até no modo de caminhar e de vestir, ou vamos tentar ser o que éramos? E quem se lembra do que já fomos?
O que mais as esquerdas terão, a partir de novembro, é pauta com receitas da salvação. A produção de personagens numa eleição, como tentativa de compensar tudo o que não foi feito antes, cotidianamente, é uma dessas pautas.
Sem Lula, desamparada, nessa eleição a esquerda ficou diante muito mais do que deixou de fazer do que do que fez de errado. A hegemonia dos mandatos, que tenta se livrar da direita só na hora da eleição, empurrou a esquerda para o milagre da representação planejada e artificial. O voto poderia salvá-la de novo. Mas sem Lula fica difícil.
Se tivéssemos mais jovens impulsivos dispostos a decifrar e encarar essas encruzilhadas, como a direita tem, parece que ficaria mais fácil. Mas essa, dirão, é mais uma conversa de velho, como de fato é. Os velhos ficaram muito chatos.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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