Pablo Marçal é um traste abandonado no meio de mais uma tempestade, e desta vez não há bombeiro que possa salvá-lo. Ninguém irá socorrê-lo, por ser perdedor e ter virado uma espécie de Eduardo Cunha harmonizado.
A política fez com Marçal, pelo voto, o que já havia feito com Jair Bolsonaro em 2022. Derrotado na eleição, Bolsonaro teve pelo menos a chance da jogada do golpe, que Marçal não tem.
Se não tivesse exagerado, se tivesse calibrado a índole estelionatária e contido a arrogância misturada à ingenuidade, Marçal poderia ter pulado várias casas no jogo pesado da política. As incomodações seriam administráveis inclusive com o sistema de Justiça.
Se tivesse ido para o segundo turno, poderia até ser derrotado depois, mas teria suas imunidades. Sairia da eleição como protagonista e seria olhado de outra forma pelos que agora devem pegá-lo. Seria respeitado até por Kassab, o novo Francelino Pereira, dono do PSD, o maior partido do Ocidente.
Se tivesse derrotado Ricardo Nunes e chegado à disputa final, Marçal poderia ser não só respeitado, mas até temido pelo sistema de Justiça, sempre cuidadoso e cordial com poderosos de direita, muito antes e depois da ascensão do bolsonarismo.
Esse sistema que pega manés com facilidade, manda para a cadeia, acusa, julga e condena em apenas oitos meses, como aconteceu com os invasores do 8 de janeiro, é lerdo e vacilante diante de quem souber gerir o próprio poder político e econômico.
Se tiver um desses poderes, ou os dois combinados, o delinquente de elite da direita, da velha e da nova, escapa quase sempre. Só cai se estiver avariado e se for abandonado pela própria turma, a da política e a do dinheiro. Aécio nunca sofreu esse abandono e sobreviveu.
Marçal sabe como isso funciona. Poderosos sob investigação há meia década não foram alcançados por um sistema que finge querer pegá-los. O sistema que vacilou e decidiu que, antes da eleição, não deveria saltar em cima dos golpistas, dos contrabandistas e ladrões de joias, vampiros das vacinas e grandes financiadores dos bloqueios de estradas. Era bom esperar.
Se tivesse ido para o segundo turno, Marçal teria superado uma etapa importante e mudado de nível. Estaria quase ao lado dos grandes impunes, dos inalcançáveis porque provocam temores nos que deveriam cercá-los.
Alguns pastores que afrontam o Supremo, por exemplo, nem precisam se preocupar porque têm o poder da fé de milhões de evangélicos que os protegem. São poderosos porque outros rezam por eles por apenas 10% do que ganham.
Como também ainda são poderosos os empresários contrabandistas, sonegadores, golpistas, negacionistas, cloroquinistas e negociantes de vacinas que nem existiam na pandemia.
Marçal poderia se juntar a essa turma, se conseguisse agregar poder político à proteção do crime organizado e dos que se dedicam à pregação das prosperidades. Seria mais completo do que Malafaia, com a força do voto, do dinheiro e dos rebanhos cristãos, e não só dos neopentecostais.
Como perdedor, já pode se preparar para se juntar aos que tombaram por falta de suporte. Marçal tem contra si o fato de que é calouro nas instâncias de poder, sem turma forte na política e sem protetores nas esferas institucionais.
No mundo em que se meteu, tudo funciona como nas máfias e nas gangues. Não há como sobreviver sem histórico de vitórias contra os inimigos, sem grupo organizado e sem alguém que diga, só erguendo a sobrancelha, nesse ninguém toca.
Marçal desafiou a Polícia Federal e insinuou que não teme a Justiça, até porque já escapou de condenações pelo benefício da prescrição, essa que geralmente favorece os impunes de sempre. E, antes da eleição, ainda decidiu atacar Alexandre de Moraes.
Com seus sapatinhos sem meia, chegou a jantar com gente do segundo time da Faria Lima e a se sentir parte até da grã-finagem da ala rentista de um sistema que diz combater.
Mas pode se preparar para o pior. E o pior começa com o abandono de quem vai dizer que nunca viu esse cara nem em parada de ônibus de Barueri.
Desde 2021, o autor deste blog enfrenta na Justiça quatro processos do empresário Luciano Hang, o autoproclamado véio da Havan.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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