Tragam Haddad de volta à conversa sobre a crise das esquerdas
O que pode ser dito por alguém que, em meio aos escombros da tempestade, põe a cabeça de fora e tenta enxergar o que sobrou? Pode ser dito que, no projeto para o futuro de médio prazo das esquerdas, falar de Fernando Haddad deve ser parte da pauta do começo da reconstrução.
Vamos começar por um nome? Vamos pelo menos tentar incluí-lo na conversa sobre inevitáveis pacotes com ideias de reabilitação do PT. Para que seja possível voltar a entender o Brasil que a esquerda passou a ouvir, se é que ouve, apenas em eleição.
A esquerda sabe bem, desde muito antes do domingo, que Brasil é este, que não é mais o do século 20. Haddad talvez seja um dos que mais sabem, por suas vivências em várias frentes e pela capacidade de entendimento da realidade.
O ministro seria, na tentativa de reconstrução das esquerdas e da preparação da transição da liderança de Lula, o nome que ressurge com força e naturalidade. Podem até contestar, como contestam, se é de fato de esquerda, mas essas classificações cada vez importam menos.
Haddad poderia ser essa figura, para oferecer perspectiva a quadros e bases dispersas e abaladas, se estivesse num ministério da área social. Parece óbvio demais. Só que hoje Haddad conversa com a Faria Lima e com investidores estrangeiros, para acalmar e animar mercados. E vai ter que avalizar e anunciar os cortes de ‘despesas’.
Lula chamou Haddad para perto para cuidar da área mais decisiva para o sucesso de um governo. Haddad será forte se contemplar, também, e talvez até antes, a confiança e as expectativas do mercado. Enquanto isso, Boulos seria testado.
Mas há como Haddad conversar pela manhã com um banqueiro, no gabinete, e à tarde, por live, com a comunidade do Vidigal? Parece ruim para um projeto de resgate das esquerdas, puro e imaculado, como muitos desejam, mas é o que temos. E ainda teremos os cortes.
Porque o segundo turno deixou claro que Guilherme Boulos não é essa figura. Não agora. Porque Haddad conversa com os homens da Moody’s, mas nunca conversaria, em encontro a dois, com Pablo Marçal.
Haddad não se submeteria à armadilha de conversar cara a cara com a figura que desdenhou e agrediu não só Boulos, mas atacou muito mais os gays, os pobres e as mulheres. Haddad não falaria com esse sujeito.
Mas isso é relevante? Pode não ser para quem acha que as esquerdas, por seus líderes, não precisam voltar a ser referência para a base extraviada. Não é para quem entende que líderes não servem mais para inspirar os jovens que, segundo Bolsonaro, votam na esquerda.
Tudo o que foi escrito antes nesse artigo é para dizer que, juntando as peças do que sobrou da eleição, não se remonta um Boulos competitivo para mais adiante.
Teriam que descobrir fórmulas capazes de reduzir o alto índice de rejeição e dizer, num Brasil que correu para a direita disfarçada de centro, que Boulos será logo mais uma outra pessoa amadurecida pela derrota.
As esquerdas estão diante do retrato assustador da direita, que é mais jovem do que parece e lançou nomes com força eleitoral como a esquerda conseguia décadas atrás e não consegue mais.
A cara da direita, mesmo a velha, que venceu no primeiro e foi para o segundo turno, é terrivelmente jovem. A direita ressuscitou antigas bases, com a mesma índole de velha Arena, incorporada pelo PSD, pelo PP e até por parte do MDB, com gente com menos de 40 anos.
Os evangélicos, o empreendedorismo, as emendas PIX, o desalento, a universidade sequelada pelo bolsonarismo, os sindicatos sem força, as milícias digitais ainda atuantes, os grileiros, o conservadorismo paroquial que voltou com tudo. Esse é o cenário que desafia as esquerdas, e que não é hegemonicamente bolsonarista.
Por que falar de um nome em meio a esse ambiente desconfortável? É simples assim, mesmo que Lula esteja ativo e pronto para a disputa da reeleição? Não, é bem complexo.
Mas Haddad volta ao primeiro lugar da fila. Podemos começar pelo que é mais simples e que todos nós entendemos, e não só os formuladores de ideias com titulação acadêmica, que dominam o debate público nas esquerdas há muito tempo.
Vamos começar de novo por um nome, mesmo que seja conhecido e já tenha sido testado e derrotado. Vamos voltar a falar de Haddad. Lula foi eleito na terceira tentativa. Mas antes temos os cortes. É preciso salvar Haddad.
*Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).
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