O Banco Central torrou grande parte das nossas reservas internacionais ao vender US$ 74 bilhões em dólar à vista no governo Bolsonaro para conter a alta do câmbio. Durante o governo Lula apenas US$ 1,5 bi foi vendido, o que escancara o caráter político de uma instituição que deveria ser técnica
Mariana Desidério, UOL
O Banco Central atuou 113 vezes no mercado à vista para baixar o preço do dólar nos quatro anos da gestão Bolsonaro, e uma vez na atual gestão Lula. O dólar chegou à marca dos R$ 6 nos últimos dias.
Banco Central vendeu US$ 74 bilhões no mercado à vista entre 2019 e 2022, na gestão Bolsonaro. Em 2023, primeiro ano da gestão Lula, a autoridade monetária não fez nenhuma oferta de dólar à vista. Em 2024, fez uma única oferta, de US$ 1,5 bilhão, em setembro.
A oferta de dólar à vista é uma das ferramentas do BC para interferir no câmbio. Funciona assim: o BC vende a moeda americana no mercado para equilibrar a relação entre oferta e demanda. Com isso, ele busca atuar para baixar o preço do dólar.
O país ficou seis anos sem operar no mercado de dólar à vista, entre 2013 e 2018. Em 2019, vendeu US$ 36 bilhões. Em 2020, vendeu US$ 24,7 bilhões. Em 2021, US$ 11,9 bilhões. E, em 2022, US$ 571 milhões.
Saiba mais: Como sabotar o Brasil manipulando números e a conivência da imprensa
A atuação do BC reduziu as reservas internacionais do país. Em 2018, o país tinha uma reserva de US$ 374 bilhões em moeda americana. Com as sucessivas atuações do BC no câmbio, a reserva caiu para US$ 324 bilhões ao final de 2022 – menos US$ 50 bilhões. O número não é uma conta de subtração exata, pois a contabilidade da reserva considera também outros mecanismos de atuação do BC. Atualmente a reserva está em R$ 360 bilhões.
Outras ferramentas para conter o dólar
BC vendeu US$ 4 bilhões em novembro de 2024, com compromisso de recomprar mais tarde. Outra ferramenta do BC são as linhas de recompra. Nessa modalidade, o BC vende dólar com o compromisso de recomprar no futuro. A movimentação mais recente ocorreu em novembro, quando o BC vendeu US$ 4 bilhões, a serem recomprados entre abril e junho de 2025.
Em 2023, não houve venda de dólares em linha de recompra. Mas houve compra, num total de US$ 13 bilhões. O saldo dos contratos de recompra sob Lula é, portanto, positivo em US$ 9 bilhões. Ou seja, houve mais compra do que venda de moeda americana nesse tipo de intervenção.
Sob Jair Bolsonaro, o saldo dos contratos de recompra foi negativo em 750 milhões. Sendo assim, houve mais venda do que compra de moeda americana na modalidade. Em 2022, último ano do governo, o BC vendeu US$ 11,5 bilhões.
Saldo de contratos de swap cambial subiu 46% com Bolsonaro e 2% com Lula. Outra ferramenta do Banco Central são os contratos de swap cambial, usados para proteger agentes que têm dívida em dólar. Com esses contratos, o BC assume o risco do câmbio e alivia a pressão sobre a moeda. Entre 2019 e 2022 o saldo de contratos de swap cambial do BC subiu 46%, foi de US$ 68,8 bilhões para US$ 100 bilhões. Entre 2023 e 2024, o saldo subiu só 2% e está em US$ 102,8 bilhões, conforme dados de outubro.
Quando o BC interfere no dólar?
O Banco Central só atua no câmbio quando há disfuncionalidade. O Brasil opera no regime de câmbio flutuante, ou seja, o preço da moeda não é controlado, e flutua conforme o mercado. Por esse regime, a autoridade monetária só atua se entende que há algum fator de desequilíbrio.
Com o dólar a R$ 6, cresce a pressão por uma interferência do BC. As críticas são direcionadas ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro. Dentre os críticos estão a presidente do PT Gleisi Hoffmann, e o líder do partido na Câmara, Odair Cunha. Na rede social X, Cunha citou atuação do BC para conter o dólar na gestão anterior. As decisões do BC não são tomadas individualmente pelo presidente.
Gabriel Galípolo disse que país não vai segurar moeda “no peito”. O atual diretor de política monetária, e indicado por Lula para presidir o BC a partir de janeiro, disse no início da semana que o BC não vai segurar o câmbio “no peito”. “Tem US$ 370 bilhões de reserva, por que não segura no peito? Mas quem está no mercado sabe que não é assim que funciona”, disse.
Por que o BC vendeu tanto dólar na gestão Bolsonaro?
Pandemia, juros e alta volatilidade explicam atuação do BC, dizem analistas. O UOL questionou o BC sobre os motivos para a atuação no dólar, mas não teve retorno. Segundo economistas ouvidos pelo UOL, a venda de dólar pelo BC durante a gestão Bolsonaro tem explicação técnica e está ligada ao cenário econômico da época.
Em 2019, a taxa de juros caiu, o que impactou o câmbio. A taxa básica de juros (Selic) começou trajetória de queda em 2019 – foi de 6,5% para 4,5%. Isso espantou o capital estrangeiro do país. A saída de dólares elevou o preço da moeda americana e levou o BC a interferir.
Acompanhe Pragmatismo Político no Instagram, Twitter e no Facebook
“A queda da Selic gerou uma grande saída de recursos, que estavam aqui para se aproveitar do diferencial de juros. Esse diferencial deixou de existir, e com isso o fluxo ficou muito negativo. O BC entrou para atender a essa saída de recursos”, revelou Silvio Campos Neto, sócio e economista sênior da Tendências Consultoria.
Situação é diferente da atual. A saída de recursos devido à queda dos juros fez com que o fluxo cambial do país em 2019 ficasse negativo em US$ 44,7 bilhões. Saiu mais dólar do que entrou. Hoje, apesar da alta do dólar, o fluxo ainda é positivo em US$ 8 bilhões, compensado pela atividade comercial.
Entre 2020 e 2021, atuação ocorreu devido à pandemia. No período, as intervenções do BC foram necessária para contrapor os impactos da pandemia, diz José Ronaldo de Castro Júnior, professor de economia do Ibmec-RJ.
“A gente teve uma instabilidade muito grande com a pandemia. Houve uma flutuação mais expressiva naquele momento que justificava tecnicamente esse tipo de intervenção. Não vejo viés político, acredito que o BC tem atuado de forma muito técnica”, explicou José Ronaldo de Castro Júnior, professor de economia do Ibmec-RJ.
Volatilidade é outro fator que leva a atuação do BC. Um dos fatores que levam à atuação do BC no câmbio é a volatilidade da moeda, ou seja, variações muito bruscas nos preços. Para Castro Júnior, do Ibmec-RJ, essa situação ocorreu fortemente em 2020 e na época das eleições. Em 2022, o BC vendeu US$ 3 bilhões em setembro, véspera das eleições presidenciais, US$ 1 bilhão em outubro, e US$ 9 bilhões em dezembro. Tudo em contratos de recompra.
O BC pode interferir no câmbio agora?
Interferir no câmbio não resolve o problema, mas pode ter algum efeito. A avaliação dos economistas é que interferir no câmbio agora não solucionará o problema. Isso porque a alta do dólar se deve a uma maior percepção de risco do mercado, devido ao cenário fiscal do país. O mercado avalia que está mais arriscado investir no país, porque há dúvidas se o governo conseguirá conter a alta da dívida pública. Para Neto, apesar disso, uma atuação do BC poderia reduzir a pressão sobre a moeda.
“Não significa que uma atuação do BC não teria efeito. Poderia esfriar a pressão sobre a moeda, quebrar a dinâmica de alta. Mas seria uma atuação que não atacaria a causa do problema, que é mais ligada a fundamentos da economia. O Banco Central não estaria atendendo a uma demanda por dólares, mas simplesmente vendendo a moeda por preço abaixo do que o mercado entende como justo”, afirma Silvio Campos Neto, sócio e economista sênior da Tendências Consultoria.
Banco Central não consegue mudar tendência do mercado. Segundo Castro Júnior, do Ibmec-RJ, é difícil para o BC mudar a tendência do câmbio apenas com a venda de reservas. “Ele acaba sendo vencido. Não é algo que dá para sustentar por muito tempo. A melhor forma de atuar seria melhorar a política fiscal”, diz.
→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: pragmatismopolitico@gmail.com