Redação Pragmatismo
Saúde 08/Abr/2025 às 20:20 COMENTÁRIOS
Saúde

Estudantes de medicina debocham de jovem transplantada que estava à beira da morte

Publicado em 08 Abr, 2025 às 20h20

Alunas de medicina ridicularizaram jovem que lutava pela vida após passar por múltiplos transplantes no Hospital das Clínicas da USP. Além do deboche, as estudantes culparam a paciente pela sequência de transplantes que precisou realizar. O episódio chocou familiares e profissionais da saúde

estudantes debocham transplante
As estudantes e a paciente

Duas estudantes de medicina ridicularizaram publicamente uma jovem que lutava pela vida após passar por múltiplos transplantes cardíacos. O episódio chocou familiares, profissionais da saúde e internautas, levantando um importante debate sobre ética médica, respeito à vida e os limites do comportamento nas redes sociais.

ENTENDA

Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano, alunas do curso de Medicina, aparecem em um vídeo publicado no TikTok zombando de Vitória Chaves da Silva, uma jovem de 26 anos que, à época, aguardava por um quarto transplante de coração. No conteúdo, elas fazem piadas cruéis com a condição de saúde da paciente. Uma das frases ditas, e que causou maior comoção, foi: “Essa menina tá achando que tem sete vidas”.

O vídeo rapidamente viralizou e, diante da repercussão negativa, foi apagado. No entanto, capturas e trechos já circulavam amplamente pelas redes, gerando revolta e pedidos de responsabilização das estudantes.

QUEM ERA VITÓRIA

Vitória Chaves da Silva enfrentava desde a infância uma cardiopatia congênita grave. Ao longo da vida, passou por três transplantes cardíacos – todos realizados pelo Instituto do Coração (InCor), um dos maiores centros especializados em cardiologia do país. Ela aguardava, no momento da gravação do vídeo, por um quarto transplante.

A jovem faleceu no dia 28 de fevereiro de 2025, apenas nove dias após a publicação do vídeo ofensivo. A causa da morte foi choque séptico e insuficiência renal crônica. Sua história de superação e resiliência já havia sido compartilhada anteriormente por veículos de imprensa, sendo símbolo de esperança para muitas pessoas que aguardam transplantes no Brasil.

Indignação e medidas legais

A mãe da jovem, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves, demonstrou profunda indignação com a exposição indevida da filha. Em entrevista , ela declarou: “Elas expuseram minha filha como se ela fosse um experimento. Disseram mentiras, como se ela tivesse recusado corações ou como se vivesse em festa, e não em hospital.”

A família registrou um boletim de ocorrência e comunicou o caso ao Ministério Público de São Paulo, à Polícia Civil e também ao InCor, hospital onde Vitória estava internada. Cláudia afirmou que as estudantes compartilharam informações que violam o direito à privacidade e que não refletem a realidade da trajetória médica de sua filha, que sempre seguiu rigidamente as orientações médicas.

Posicionamento do InCor

O Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP divulgou nota oficial repudiando veementemente o conteúdo do vídeo. A instituição ressaltou que não divulga dados de pacientes e que está apurando o caso com rigor:

“O InCor repudia quaisquer atitudes que violem os princípios de ética, respeito e confidencialidade que norteiam a prática médica.”

O hospital confirmou que está colaborando com as autoridades competentes para que as medidas cabíveis sejam adotadas.

Consequências para as estudantes

Até o momento, Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano não se pronunciaram publicamente sobre o caso. Não há confirmação oficial sobre eventuais sanções acadêmicas ou expulsão das estudantes de suas respectivas instituições de ensino, mas a pressão social tem sido intensa.

A exposição também motivou protestos de estudantes de medicina, profissionais da saúde e pacientes transplantados que exigem ética, empatia e responsabilidade na formação médica.

Reflexões sobre ética e redes sociais

O caso expõe um problema crescente: o uso inadequado das redes sociais por profissionais e estudantes da saúde, muitas vezes em ambientes hospitalares e com informações sensíveis sobre pacientes. O médico Adriano Oliveira publicou um desabafo forte:

“Sou médico, tenho 55 anos e faço parte de uma geração que precisou se dedicar muito para ingressar na faculdade. Naquele tempo, havia poucas escolas, a maioria públicas, e o caminho até o vestibular exigia bastante conhecimento e esforço. Para concluir o curso, não era diferente: enfrentávamos instituições exigentes, noites de estudo sem fim e muitos plantões, numa jornada que, de certa forma, continua até hoje. Aprendíamos, desde cedo, que nosso cuidado e atenção deveriam estar sempre voltados ao paciente. Era ele o centro da nossa vocação. Hoje, no entanto, percebo que muitos estudantes, formados em escolas que surgiram recentemente, acabam enxergando a profissão mais como uma oportunidade de crescimento financeiro. O paciente, que antes era o foco, parece, em alguns casos, ter ficado em segundo plano. Vejo com preocupação a busca por prescrições fáceis e modismos que, muitas vezes, atendem mais aos interesses do profissional do que às necessidades do paciente. Sinto falta de um olhar mais atento, mais cuidadoso para com o outro — algo que sempre foi o coração da medicina. Também noto que, com o tempo, certos cuidados com a comunicação, como o bom uso da língua portuguesa, foram se perdendo. Escrever e falar com clareza fazem parte da nossa responsabilidade como médicos, pois nossa palavra é instrumento de acolhimento e orientação. A medicina vive momentos de transformação. É natural que as mudanças aconteçam, mas é importante que não percamos nossa essência. Gostaria de deixar, como reflexão, a lembrança de que seguimos sendo, antes de tudo, discípulos de Hipócrates: guiados pela ética, pelo respeito e, acima de tudo, pelo amor ao próximo”.

→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: pragmatismopolitico@gmail.com

Recomendações

COMENTÁRIOS