1968 e 2018. Os sonhos ficaram mais distantes
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Em quatro de abril de 1968, era assassinado o Pastor Martin Luther King. Ícone da luta contra o racismo nos Estados Unidos, que era institucional e oficial, ele tinha um sonho. Desejava que todos fossem iguais, sem distinção de cor. Queria que seus filhos fossem julgados pelo seu caráter e conduta, e não pelo tom de suas peles. A audácia de reclamar do status quo lhe custou a vida, pois um fundamentalista racista lhe aplicou a “justiça”.
Depois de mais de onze horas de sessão, passavam alguns minutos do início do dia cinco de abril de 2018 quando a Presidenta do Supremo Tribunal Federal votou em minerva negando o habeas corpus requerido pelo Presidente Lula. Com isso, exatamente cinquenta anos depois da morte de Luther King, ela autorizava o maior líder popular do Brasil das últimas décadas a ser preso.
Pelo zelo que tenho aos meus dedos, com os quais escrevo essas lamentosas linhas, não coloco a mão no fogo pelo Lula. E se erros forem agora considerados crimes – passíveis de punição logo em segunda instância -, não coloco a mão no fogo nem por mim. Prefiro negociar e fazer uma delação premiada entregando a mim mesmo. Ocorre que e não obstante eu sendo leigo em assuntos jurídicos, não me parece que foram observadas, em todo esse emaranhado processo que envolve o Presidente Lula, o estado democrático de direito e a letra fria e imperativa da Constituição.
Mas, para além do maniqueísmo dicotômico que envolve a figura de Lula, é certo que ele representa os mais importantes avanços sociais que tivemos desde Getúlio Vargas.
Lula fez realidade o sonho de muita gente. Foi ele quem bancou a Lei das Cotas Raciais, aumentando a oportunidade de negros alcançarem o antes inatingível curso superior; o sonho de parte da população dos anos 90 era conseguir comer pelo menos três vezes ao dia, o que foi possível com o Bolsa Família e com a queda do desemprego; aos brancos pobres também era difícil o acesso à graduação, um sonho que pôde ser realizado graças às políticas de fomento às instituições privadas de ensino e ao aumento das universidades públicas e institutos federais de ensino; os sonhos tidos como mais supérfluos, como um carro ou uma viagem de férias, por exemplo, também foram possíveis com o incentivo ao consumo de bens e serviços (e há quem o acuse de comunista!); o sonho da casa própria foi passível de realização graças ao Minha Casa Vida, que tirou milhares do aluguel… a lista de conquistas não é limitada como o espaço destinado a este artigo.
Lula foi quem indicou ao STF aquele que iria ser o primeiro e até o momento único presidente negro que esse tribunal já teve, Joaquim Barbosa. Quis o destino que, agora, ele seja um dos possíveis candidatos à Presidência (se houver eleições), tirando votos inclusive do PT se se confirmar a não candidatura de Lula (pesquisas mostram que Lula teria reais chances de vencer no primeiro turno).
Foi no Governo Lula que a Polícia Federal e o Ministério Público conseguiram maior autonomia. Quis o mesmo destino que hoje essas duas instituições o perseguissem.
Foi nesse mesmo Governo que o povo brasileiro, os mais pobres sobretudo, passou a crer um pouco mais na Política e nos políticos, pois sentia que a sua vida estava melhorando por causa de leis e medidas oriundas do Executivo e que tiveram o aval do Congresso. Quis o destino que essas mesmas instituições, Câmara e Senado, dessem um golpe numa em ascensão democracia e passassem a perseguir seu principal avalizador de outrora.
1968 e 2018. Os sonhos ficaram mais distantes.
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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”