Carolina Lebbos é mesmo uma juíza "técnica" e "rígida"?
Carolina Lebbos tem sido vendida pelos grandes veículos de comunicação do Brasil como uma juíza dotada de tecnicidade e rigidez irreparáveis. No entanto, uma breve pesquisa sobre a justa magistrada mostra que ela não é tão rígida quando julga empresas fraudulentas
por Urariano Mota*
No currículo da juíza Carolina Lebos deveria constar a sua mais recente negação de visitas ao eterno presidente Lula. Dessa vez, a proibição foi para Leonardo Boff e Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz. Segundo a advogada Tânia Mandarino, a juíza Lebbos teria respondido à solicitação de urgência para o Nobel da Paz: “problema do Esquivel se ele está só de passagem”.
Merece uma exclamação: como é poderosa Carolina Lebbos! Talvez ela devesse ouvir um conselho de Leonardo Boff para tamanho poder: “A glória do mundo é transitória, juíza. Há de chegar um tempo em que até os criados irão abandonar a meritíssima. Orai”.
Mas Leonardo Boff sequer teve acesso ao respeito da pequena soberana destes dias. Parece que nela desprezar o valoroso é natural. Ou uma segunda natureza, digamos. Pelo seu encomendado perfil nos jornais, a juíza Carolina Lebbos, a responsável pelas decisões sobre a custódia do eterno presidente Lula, é uma magistrada discreta, técnica e rígida. Além da modéstia e discrição, já se vê, ela agrega as virtudes da técnica e rigidez no trato da coisa pública. Uma Robespierre de saia, escreveríamos, se não lhe fosse demasiada a lembrança do revolucionário que desejou mandar para o inferno todo privilégio.
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No entanto, uma breve pesquisa sobre a justa juíza mostra que ela não é tão rígida quando julga empresas fraudulentas. A notícia está no Valor Econômico, de 14/02/2015, mas pode ser lida aqui:
“Exportador consegue na Justiça reduzir multa aplicada pelo BC”.
A exportadora de soja Viana Agro Mercantil, de Ponta Grossa (PR), conseguiu no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região manter decisão que diminuiu consideravelmente o valor de duas multas administrativas aplicadas pelo Banco Central (BC), que somam US$ 2,1 milhões. A companhia foi penalizada por declarações falsas de exportação – celebração de contratos de câmbio sem envio de mercadorias.
Uma das multas foi anulada. A outra foi reduzida para 5% do valor do negócio. A decisão é um importante precedente para exportadores que discutem no Judiciário a penalidade prevista no parágrafo 3º do artigo 23 da Lei nº 4.131, de 1962, que pode variar entre 5% e 100% do valor da operação.
No caso, foram fiscalizados cerca de 500 contratos de câmbio da Viana Agro Mercantil e o BC entendeu que havia ‘celebrações falsas’. E, de acordo com o processo, a empresa foi submetida a uma multa de 50% sobre o valor total de alguns contratos considerados irregulares.
Em um dos contratos discutidos, a empresa não conseguiu exportar toda a quantidade de soja vendida porque a mercadoria não coube no navio da contratante. A parte da soja que não embarcou ficou em um armazém do comprador no Brasil, com indicação de que se destinava para exportação.
No processo, a empresa alega que consultou o Banco Central e tentou seguir a orientação recebida. Ainda assim, foi penalizada. Essa multa foi anulada na primeira instância.
Também foi analisado um bloco de cinco contratos de 2001. Neste caso, a soja demorou mais do que o previsto para ser entregue. Isso fez com que a empresa fosse impedida de atuar no mercado de exportação. Para esses contratos, a primeira instância reduziu a multa de 50% para 5%.
Sobre a primeira multa, a juíza federal substituta da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR), Carolina Moura Lebbos, considerou que a empresa se esforçou para comprovar que o contrato de exportação foi cumprido.
Em relação aos outros fatos haveria, no mínimo, ‘culpa evidenciada’. De acordo com a juíza, passados mais de 13 anos, não há notícia de que a autora cumpriu com sua parte no contrato ou mesmo devolveu os recursos obtidos antecipadamente, o que seria uma ‘clara afronta à legislação de câmbio’. A magistrada considerou, porém, que não era uma empresa reincidente nas infrações e não havia também efetiva prova de fraude ou simulação, e reduziu a multa.
De acordo com a juíza, ao contrário do que sugere o Banco Central, a pena não deve ser arbitrada no percentual intermédio, mas sim na pena mínima prevista na Lei nº 4.131, de 1962. As duas operações foram realizadas pela empresa entre 1997 e 2001.
Como a empresa teve o registro suspenso desde 2001, teve suas atividades paralisadas e hoje só existe juridicamente, de acordo com seu advogado no caso, André Luiz Bonat Cordeiro, da Sociedade de Advogados Alceu Machado, Sperb & Bonat Cordeiro. ‘De fato, ela quebrou e dificilmente vai voltar a atuar’, afirma.
De acordo com o advogado, é comum esse tipo de multa do BC. ‘Esses atrasos são comuns, mas o Banco Central tem uma mentalidade arcaica e entende que isso é uma declaração falsa, quando na verdade pode ser um atraso numa remessa’, diz Cordeiro.
O Banco Central entrou com embargos de declaração da decisão proferida pelo TRF e está aguardando o seu julgamento. Para a instituição, o fato de a empresa ter comunicado à autarquia a irregularidade e ter procurado sanar a sua situação, não afasta o ilícito. De acordo com o banco, não ocorrendo a exportação, o devedor deve providenciar a conversão dos recursos em investimento direto de capital ou empréstimo em moeda, ou ainda, o reenvio ao exterior dos recursos recebidos.
‘A Justiça tende a concordar com o BC em matéria que ela não conhece’, afirma Luiz Roberto de Assis, sócio do Levy & Salomão Advogados. Para o advogado, é difícil para as empresas conseguir anular essa multa, a não ser quando há alguma prova muito forte. Assis, porém, destaca que há decisões na instância administrativa pela redução da multa e também pela anulação das cobranças.
Para o advogado Luis de Carvalho Cascaldi, do Siqueira Castro Advogados, há muita discussão dada a amplitude da multa determinada pela lei – entre 5% e 100% do valor. ‘Como a lei não dá um critério para a graduação, a discussão acaba na Justiça’, afirma. De acordo com o advogado, os tribunais têm interpretado cada caso de uma forma específica, considerando se a empresa é reincidente e se demonstra má-fé, entre outros fatores.
O advogado Luiz Rogério Sawaya, do Nunes e Sawaya Advogados acredita, porém, que parte das empresas resolve a questão na esfera administrativa. Nesse caso houve a discussão no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, mas foi mantida a multa por declaração falsa. De acordo com Sawaya, são mais comum discussões em casos sobre importação do que de exportações.
Destaque: a decisão da juíza abriu um importante precedente para exportadores que discutem no Judiciário a penalidade prevista no parágrafo 3º do artigo 23 da Lei nº 4.131, de 1962, que pode variar entre 5% e 100% do valor da operação. Ela, a juíza, continua técnica e rígida, mas depende do paciente. Vocês entendem agora por que a poderosa Carolina Lebbos não poderia jamais ser comparada a Robespierre. Seria um insulto, para ambos.
*Urariano Mota é jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”.