Clipe de 'This is America' é tapa na cara da hipocrisia dos EUA
Lançado há 3 dias, clipe 'This is America' incomoda, alcança recordes de visualização e já é considerado o videoclipe do ano. Produção une ironia e tensão para criticar a violência contra a população negra nos Estados Unidos
Talento é o que não falta para Donald Glover.
Ator, roteirista e criador da premiada série Atlanta, o artista norte-americano também tem uma sólida carreira musical sob a alcunha de Childish Gambino. Seu último álbum, Awaken, My Love, lançado em 2016, teve 5 indicações ao Grammy, incluindo a de Álbum do Ano.
No último sábado (5), ele participou do humorístico Saturday Night Live e, além de participar de esquetes, lançou duas músicas inéditas: Saturday e This is America – esta segunda, com uma “pegada” hip-hop, também teve um videoclipe divulgado no YouTube ao final da atração.
E as imagens, atreladas à letra da música, logo se transformaram em debate nas redes sociais.
Trata-se de um registro audiovisual incômodo, que combina ironia e violência explícita na abordagem de temas ligados à tensão racial nos Estados Unidos. Dirigido por Hiro Murai, colaborador de longa data de Glover – responsável, inclusive, por diferentes episódios de Atlanta -, o clipe apresenta Childish Gambino sem camisa em um grande galpão, cuja atmosfera vai da calmaria ao caos.
Ele dança, sorri, brinca e faz disparos à queima-roupa. As vítimas na tela são sempre pessoas negras. “This is America” (Esta é a América), repete a persona de Donald Glover ao longo da música enquanto atira em um homem negro encapuzado e metralha um coral gospel de jovens negros.
This is America faz crítica provocadora ao porte de armas, à violência policial e recorda de forma gráfica episódios chocantes da história recente dos EUA – como o caso do massacre de nove membros de uma igreja da comunidade negra de Chatleston, em 2015.
Assista ao clipe abaixo:
O porte de armas na “América” e as referências de Glover
Nos EUA, os estados é que são responsáveis por regulamentar o porte de armas de fogo. De acordo com dados da organização Gun Violence, o país registra um tiroteio com vítimas por dia. Só neste ano, até o mesmo de maio, ocorreram 85 tiroteios em massa em território americano. Dados divulgados em 2017 pela mesma instituição apontam que a taxa de homicídios por arma de fogo é 25 vezes mais alta nos EUA que nos outros países desenvolvidos.
No Twitter, diversos usuários tentaram decifrar as referências explícitas e implícitas no clipe de This is America, single que deve compor o novo disco de Childish Gambino, ainda sem data de lançamento definida. Gabi Oliveira, youtuber e ativista pontuou 7 referências à realidade da população negra nos Estados Unidos – e deixa ainda mais explícito o cunho provocativo e político do clipe.
O minuto 0:52 se refere as leis de Jim Crow.
Jim Crow era uma forma pejorativa de se referir às pessoas negras escravizadas e depois virou nome de um conjunto de leis que legitimavam a segregação racial nos EUA. pic.twitter.com/oinn5XTzH2— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
O massacre na igreja de Charleston!
Pra quem não lembra do caso, foi um atirador que entrou numa igreja e matou várias pessoas negras. pic.twitter.com/mPhdetHtzt— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
PQP! Olhem essa!
Nas duas vezes que o Gambino atira nas pessoas, aparece um cara que recolhe a arma cuidadosamente enquanto os corpos estão LARGADOS NO CHÃO.
Segundo interpretações, essa é a América que se preocupa mais com as armas do que com as pessoas ??? pic.twitter.com/a8hdgGS5gS— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
Segundo comentários, esse cara é o pai do Travon Martin, garoto negro assassinado por um vigilante. Esse caso iniciou uma série de protestos nos EUA. Mas li também que na cena seguinte, quando ele mata o cara, o significado é o da morte da música negra de resistência + pic.twitter.com/Qk2ZV6TVhs
— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
para uma música que só gera distração, desviando os olhares dá real situação da América.
— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
Não sei se vocês reparam, mas a música e a confusão param quando ele fuma. Fora que ela vai para um lugar alto e parece feliz. Mulher, carros, etc… Vi que o beck é meio que a representação de um refúgio, mas depois você é trazido de volta ao caos (final do clipe) pic.twitter.com/kur22bvY3n
— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
Mesmo o cordão sendo de ouro e você estando no centro das atenções, continua sendo escravizado ou sendo visto como escravo! pic.twitter.com/pkI7zHTGhO
— Gabi Oliveira (@depretas) 7 de maio de 2018
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Amauri Terto, Huffpost