O jornalismo ausente
Por Moisés Mendes
A grande imagem da dignidade e da resistência, depois do encarceramento de Lula, é aquela de Leonardo Boff sentado na guarita da Polícia Federal em Curitiba. A foto de Eduardo Matysiak correu mundo porque saiu nas redes sociais.
Só alguns dias depois de circular no FaceBook é que a imagem foi ‘descoberta’ pela grande imprensa.
A foto do homem do relho, que ataca um militante pró-Lula, em Santa Maria, é de Guilherme Santos e foi publicada no site Sul21. Depois, todo mundo copiou.
Imagens de conflitos nas ruas, de cenas reais e simbólicas dos efeitos do golpe, não são captadas pelos grandes jornais ou pelas grandes TVs. A Globo e outras emissoras só fazem jornalismo beija-flor, com drones e helicópteros, por vários motivos.
A Globo não faz jornalismo em terra porque a cobertura que realiza desde antes do golpe comprometeu o trabalho de seus repórteres. Jornalistas que nada têm a ver com o reacionarismo da empresa não conseguem trabalhar, porque provocam reações em terra.
Em nenhum lugar, os jornalistas deveriam ser impedidos de realizar seu trabalho. Mas em nenhum lugar a imprensa pode ser golpista impunemente. A Globo que persegue Lula pôs em risco suas próprias equipes.
Eu critico, condeno e considero repulsivos os ataques a jornalistas, não só porque eu também já fui atacado. Mas a realidade é esta: a Globo, a Bandeirantes, a Record e outras similares deixaram de fazer jornalismo para fazer campanha contra Dilma, contra Lula e contra o PT. Os jornalistas acabam pagando pelo golpismo que as empresas apoiam.
É triste. Por isso e por outros motivos que abordo mais adiante não há jornalismo da grande imprensa em Curitiba.
Nós só sabemos do ataque a tiros na madrugada porque mídias independentes e jornalistas avulsos ou que representam seus sindicatos (como meu amigo Jorge Correa) podem circular entre os acampados e recolher depoimentos. E pessoas que não são jornalistas também fazem o trabalho que repórteres da grande imprensa deveriam estar fazendo.
Faço um depoimento pessoal. Eu cobri para a Folha da Manhã, em 1977, a primeira ocupação da Annoni por agricultores sem terra. Cobri também, logo depois, o histórico acampamento da Encruzilhada Natalino.
Mesmo em tempos de ditadura, os jornalistas não eram hostilizados. A imprensa, no auge da repressão militar, continuava fazendo seu trabalho, em especial depois de 68, às vezes claudicante, mas na maioria dos casos levada adiante pela resistência das redações.
Desde o golpe de agosto de 2016, tudo mudou. Se a TV não pode estar em Curitiba, os grandes jornais poderiam estar. Mas não estão. As empresas do negócio da comunicação desistiram de fazer jornalismo. Porque agora o golpe é outro.
A imprensa, que em algum momento abandonou o apoio incondicional aos militares, nos anos 70, agora se rende aos civis comandados pelo Judiciário. Porque a imprensa é protagonista do golpe.
Não há repórteres da grande imprensa em Curitiba porque a imprensa decidiu, quando for preciso, comer pela mão de blogs, de TVs e sites alternativos e de pessoas que estão por lá. É essa mesma grande imprensa que vive de imagens de câmeras de segurança (como no caso de Marielle) e do que sai na internet.
A imprensa decidiu que só cobre as decisões e as falas de Sergio Moro em Harvard e as sessões do Supremo. O acampamento de Curitiba está longe demais dos planos e dos interesses da grande imprensa.
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