Ironia: Enquanto o PSD de Kassab filia mortos, agentes funerários entram em greve
Publicado em 24 Set, 2011 às 14h25
A gestão de Gilberto Kassab volta a dar claro recado aos trabalhadores de que os tempos de crise significarão novas penalizações, sem distinções
Foto: DiarioLiberdade |
Na primeira semana de setembro, São Paulo voltou a ser surpreendida por uma greve que não costuma frequentar a agenda política e administrativa da cidade. Na verdade, a paralisação envolvia diversos setores da administração municipal, das secretarias de habitação, saúde, verde, gestão hospitalar, entre outras. No entanto, foi notabilizada pelos trabalhadores do serviço funerário, que pela segunda vez no ano cruzaram os braços por melhores condições de salário e trabalho.
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Tal como diversas categorias do serviço público, os funerários vivem situação completamente precarizada, porém, em níveis extremamente depauperados, ganhando salários abaixo do mínimo oficial.
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Mesmo com vencimentos de apenas R$ 440,00, a prefeitura não hesitou em replicar negativamente ao movimento, fechando-se a negociações e obtendo uma liminar no TJ de São Paulo que obrigou a suspensão da greve. Além disso, como retaliação, anunciou a contratação de 100 novos funcionários para realizar os serviços paralisados.
“Eles combateram a greve dizendo que deram 15% de reajuste, mas em momento algum isso ocorreu. Além do mais, a greve não era somente do serviço funerário. Era da administração, saúde, secretaria do verde etc. Tinha mobilização de todos esses setores pela falta de reajuste geral. Também anunciaram a contratação emergencial de 100 sepultadores e 35 motoristas”, confirmou ao Correio da Cidadania Vlamir Lima, do Sindsep (Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e Autarquias do Município de São Paulo).
Com vencimentos tão irrisórios e uma rejeição sumária aos pedidos dos grevistas, a gestão de Gilberto Kassab volta a dar claro recado aos trabalhadores de que os tempos de crise significarão novas penalizações, sem distinções. Assim como nas greves da saúde e educação, áreas colapsadas nos anos demotucanos, o governo direitista voltou a incorrer num comportamento intransigente, chegando ao ponto de apelar à justiça para que esta alienasse um dos direitos mais básicos da classe trabalhadora, quando estava claro que a prefeitura não havia sequer recebido os grevistas para negociar.
“O movimento só chegou ao estado de paralisação porque a prefeitura fechou todos os canais de negociação. A greve foi suspensa, mas não por causa da pressão da prefeitura, e sim porque ela entrou com uma liminar, que foi concedida pelo TJ, ordenando multa diária de 70 mil reais por dia ao sindicato caso não houvesse retorno ao trabalho”.
A denúncia de Vlamir é seguida de um lembrete. “No primeiro semestre todo mundo viu como a prefeitura conseguiu aprovar rapidamente, em 15 dias, o reajuste salarial do prefeito, secretários, vice, entre outros, em alguns casos em até mais de 100%…”.
Porém, é evidente que a prefeitura alega ter negociado com os trabalhadores, atribuindo a estes uma conduta abusiva ao deflagrar a greve, o que justificaria inclusive a demissão de alguns deles, como ficou implícito após o anúncio de novas contratações – aliás, também parte das exigências.
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“Além do reajuste, pedimos reposição de perdas salariais de maio de 2004 a maio de 2010, o que significa 39,79%. E olha que mais pra trás também podíamos reivindicar, mas ficaria inviável diante da perspectiva de atendimento do governo. Some-se a melhoria das condições de trabalho, começando pela contratação de mais funcionários. Desde 2009, o serviço precisa de um concurso de sepultadores, que já foi autorizado, além de outro para motoristas, cerca de 50. Na verdade, o prefeito só fechou de novo essa posição (de contratar) por causa da greve”, enumera.
Dessa forma, verifica-se o abandono completo pelo poder público de mais uma de suas obrigações, sendo que tal serviço, considerado essencial, tem alto e evidente grau de insalubridade, de modo a demandar a devida estrutura material para um manuseio seguro dos corpos e equipamentos individuais adequados.
“Se substituir os grevistas e contratar pelo concurso anunciado, caso consigam, os novos terão dificuldades de trabalhar, porque o serviço é penoso, insalubre, para o sepultador; ele abre covas, valas, tem que fazer isolamento do corpo, e há muita deficiência. Tem muito cemitério que faz enterro na terra, não por túmulo, e no primeiro enterro o uniforme dos coveiros já está… Não tem substituição diária de uniformes, às vezes é preciso levar a luva para vários dias, pois não haverá quantidade suficiente pra ficar trocando. Sem falar do risco no serviço, de abrir um caixão, com corpo em decomposição, onde se corre riscos sérios de saúde”, alerta.
Avanço tímido
Ocupado em amealhar – por todos os meios, sublinhe-se – assinaturas para a criação de seu partido apolítico, Kassab seguiu sem aceitar contato com os trabalhadores. E somente após intervenção do presidente da CUT, Adi Gomes, e do senador petista Eduardo Suplicy o prefeito acolheu ofício com a pauta da categoria. Entre elas, a retirada da Portaria 960, que permite a demissão dos líderes da greve. O argumento expõe perfeitamente o cinismo e miopia do aventureiro de “esquerda, centro e direita”: “A sociedade exigiu”.
Entretanto, apesar de seu notório desprezo pelas camadas baixas de nossa sociedade – ignoradas, removidas, expropriadas, violentadas fisicamente em larga escala em sua gestão -, sua versão falsificada do julgamento público a respeito da greve se explica. Mais uma vez, a imprensa tradicional voltou a destacar somente os “prejuízos” causados à cidade, apelando a dramas pessoais e sem espaço para o lado grevista, esmagado por matérias que somente induziam o leitor a se antipatizar com os funerários.
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Mas é fácil notar, diante da indiscutível situação de penúria da categoria, que apenas um lado das adversidades foi exposto. “Na verdade, a prefeitura vai ter dificuldades pra contratar essa gente, já que o salário inicial é R$ 440,39, abaixo do mínimo, em virtude de uma política do governo de negar reajuste há 18 anos; 18 anos sem reajuste! Só aquela coisa de 0,01%. Por isso o movimento chegou a tal ponto, por não aguentar mais a situação”, reitera Vlamir.
No momento, as negociações seguem morosas. A prefeitura fez uma contraproposta considerada insuficiente, que desprezou toda a pauta do serviço funerário e ofereceu um esquálido aumento em suas gratificações, isto é, complementares aos salários, mantendo a intenção de abrir concurso e irredutível em relação à imoral Portaria. Em repúdio a tal medida, o sindicato promove abaixo-assinado, já endossado por 17 vereadores.
“Se a prefeitura não abrir uma perspectiva de reajuste, a greve será retomada. A prefeitura vai assumir essa responsabilidade porque essas condições que debatemos aqui são de responsabilidade total dela. Quem estiver a fim de fazer esse serviço por 440 reais… Acho mais fácil a prefeitura dar um reajuste”, finaliza Vlamir Lima.
A paz dos cemitérios
O atual governante da cidade de São Paulo mantém, na verdade, firme coerência com um modelo econômico perverso que predomina em nosso país. Privilegiam-se os financiadores de campanha, com o loteamento da cidade entre projetos empresariais ditados pelos interesses da especulação imobiliária. Espaços e serviços públicos são progressivamente privatizados e, para pagar a fatura, transfere-se a conta aos trabalhadores, cada vez mais pauperizados, explorados e cerceados em seus direitos. Em outra ponta, está o judiciário predominantemente conservador, sistemático em vedar greves. Fechando o círculo, a mídia difama o trabalhador e clama por mais mercado, sublinhando que seguimos imunes ao caos mundial.
Deve ser assim que se caminha para a paz de cemitério.
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Gabriel Brito, Correio da Cidadania