Se depender das “instituições judiciais”, a prisão de Lula será perpétua
Naqueles tensos dois dias que precederam a prisão de Lula dentro do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo havia duas orientações jurídicas antagônicas em discussão. Avaliando o quadro atual poucos teriam dúvidas de qual teria sido a postura mais adequada
Wilson Ramos Filho – Xixo*, Jornal GGN
Nossos inimigos de classe têm carne, osso, banhas e muita cara de pau.
Naqueles tensos dois dias, dentro do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo havia duas orientações jurídicas antagônicas em discussão:
1. Lula não deveria se entregar. A obrigação de prender era da PF. Ficaria lá, cercado de 2 ou 3 mil pessoas, esperando a PF vir buscá-lo.
2. Lula deveria se entregar. Caso não o fizesse o Moro poderia alterar a natureza da prisão, dificultando os recursos jurídicos.
Na base de cada uma dessas defesas havia compreensões prévias.
Os que defendiam que a PF viesse buscá-lo, enfrentando a resistência dos militantes (não do Lula) consideravam que já estávamos sob um Estado de Exceção, em uma ditadura do Judiciário, e que a Direita Togada jamais permitirá que Lula seja candidato.
Os que defendiam que Lula se entregasse nutriam esperanças no Judiciário. Acreditavam que o STF recolocaria em discussão a questão da prisão imediata depois da segunda instância e que Lula seria solto em alguns dias.
No fundo, portanto, havia duas posições: a que já não confiava no Judiciário e a que ainda acreditava na força normativa da Construção que asseguraria ao réu as mínimas garantias democráticas.
Depois dos últimos acontecimentos que descortinaram a tática golpista articulada por parte do Poder Judiciário fica menos difícil avaliar qual posição teria sido a mais adequada naquela oportunidade, lá na sede do Sindicato. Reconheçamos, todavia, que fazia sentido o que defendiam os advogados que ainda acreditavam em um mínimo de decência, de compostura, por parte do Judiciário.
Fazia sentido. Dezenas de milhares de livros foram escritos desde 1988 assegurando que a Constituição limitaria a atuação dos magistrados e as garantias democráticas nela inscritas sempre seriam respeitadas.
Congressos, ciclos de palestras colóquios, nos últimos 30 anos, tentaram honestamente incutir nos operadores do direito os mitos do não-retrocesso social e do compromisso ético da nação com a institucionalidade democrática plasmados na Constituição. E fazia sentido, se mantida a ordem democrática.
O que ficou claro, óbvio, agora é que já não subsiste a ordem democrática. A Direita Concursada destruiu-a.
É certo que os interesses que se articularam no Golpe de 2016 objetivavam a redistribuição de renda e da possibilidade de acesso a bens e a direitos (da Classe Trabalhadora para as parasitárias classes que exploram o trabalho alheio) e a submissão do Brasil ao capitalismo internacional. Todavia, os operadores principais deste projeto político não foram “os políticos” ou “as corporações financeiras e empresariais”.
Quem garantiu o Golpe e a destruição dos direitos democráticos foi a parcela da burguesia que, por intermédio de concursos públicos, se apoderou dos aparelhos de Estado, principalmente do aparato repressivo.
Nem todos os magistrados, procuradores da república ou policiais federais coonestam com esse projeto político reacionário. O Desembargador Favretto disso é exemplo. E há milhares como ele. Mas é inegável que a maioria nessas corporações apoia os desmandos da Lava-Jato e a postura ideológica que a sustenta.
Avaliando o quadro atual poucos teriam dúvidas de qual teria sido a postura mais adequada naqueles dois dias de tensão em São Bernardo do Campo. Está evidente que, se dependermos das “instituições judiciais”, a prisão de Lula será perpétua. A Direita Concursada já não pode, e não quer, recuar. Não permitirão que Lula seja libertado e não admitem que seja candidato a presidente da República.
Se antes poderia haver dúvidas quem seriam os agentes, os operadores concretos, do Golpe e quem são os inimigos a serem combatidos, agora elas já não remanescem.
Cabe ao movimento sindical e às forças sociais democráticas conceber as melhores táticas e estratégias para derrotá-los e, restabelecida a normalidade institucional, assegurar que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça, o que estamos experimentando.
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*Wilson Ramos Filho – Xixo, integra o Coletivo Jurídico da CUT desde a fundação, é professor Universitário (UFPR/UFRJ) e presidente do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.