Condenada à prisão perpétua, conheça os crimes da 'noiva nazista'
Mulher que ficou conhecida como "a noiva nazista" foi considerada culpada por 10 assassinatos com motivação racial. Entenda como ela atuava, quem foram as vítimas e por que os crimes ficaram tanto tempo sem solução
Após cinco anos de julgamento na Alemanha, uma mulher de 43 anos que ficou conhecida como “a noiva nazista“, enquanto membro de uma gangue neonazista que operou durante 11 anos no país, foi considerada culpada por 10 assassinatos com motivação racial.
Beate Zschäpe era a principal ré em julgamento pelo assassinato de oito turcos, um cidadão grego e uma policial entre os anos 2000 e 2007.
A decisão do tribunal estadual de Munique a sentencia agora à prisão perpétua.
A relação ente os assassinatos foi descoberta por acaso em 2011, depois que um roubo frustrado revelou a existência do grupo neonazista – e célula terrorista – chamado National Socialist Underground (NSU).
Zschäpe, de 43 anos, integrava o grupo ao lado de dois homens com quem dividia um apartamento na cidade de Zwickau, no leste da Alemanha.
Identificados como Uwe Mundlos e Uwe Böhnhardt, os dois morreram em uma espécie de pacto de suicídio, após uma tentativa de assalto a banco.
Um incêndio no apartamento que dividiam – aparentemente em uma tentativa de destruir provas – levou Zschäpe a se entregar.
“Oi, eu sou Beate Zschäpe, a mulher que vocês procuram há dias“, disse ela a um policial, por telefone, em 8 de novembro de 2011. Segundo o jornal alemão Augsburger Allgemeine, o agente que respondeu à chamada disse que não sabia nada sobre o caso e encerrou a ligação. Horas depois, acompanhada do advogado, a mulher se entregou em uma delegacia da cidade de Jena, onde havia passado a infância.
Os sete anos de atuação da NSU expuseram graves deficiências no monitoramento de neonazistas pelo Estado alemão, e levou a um inquérito público para investigar como a polícia fracassou em descobrir o plano de assassinatos.
Mais de 600 testemunhas foram ouvidas no tribunal de Munique, fazendo deste julgamento um dos maiores na história da Alemanha pós-guerra.
Outros quatro acusados também receberam penas de prisão por terem ajudado a gangue neonazista. Ralf Wohlleben foi condenado a 10 anos por auxiliar e encorajar os assassinatos – foi ele quem obteve a arma silenciada usada nos crimes. Carsten Schultze, um adolescente na época, foi considerado culpado de entregar a pistola e o silenciador à gangue. Foi condenado a três anos.
André Eminger recebeu uma pena de dois anos e seis meses por ajudar ao grupo terrorista. Holger Gerlach foi condenado a três anos por dar sua certidão de nascimento e outro documento de identidade a Uwe Mundlos.
Mesmo antes do veredicto, o advogado de defesa de Zschäpe já disse que ela recorreria contra qualquer pena de prisão perpétua.
Durante o julgamento, a mulher negou ter participado dos assassinatos, alegando que só soube deles após terem sido cometidos por Mundlos e Böhnhardt.
Como atuou a ‘noiva nazista’
De acordo com um artigo publicado em 2013 pela Deutsche Welle, a mãe de Beate Zschäpe não sabia que estava grávida até buscar atendimento em um hospital para o que pensava ser um problema nos rins.
As duas nunca tiveram um bom relacionamento e Zschäpe foi cuidada pela avó durante anos.
Ainda segundo o artigo, ela entrou em uma gangue de jovens aos 14 anos e, dois anos, depois conheceu Uwe Mundlos, que se tornou seu primeiro namorado e parceiro nos primeiros roubos de dinheiro e cigarros.
Mundlos foi para o serviço militar, e Uwe Böhnhardt, seu melhor amigo, teve um caso com Zschäpe.
Mas a história não foi motivo de conflito e os três passaram a viver juntos no apartamento em Zwickauer a partir de 2008.
Mundlos era apontado como o cérebro do grupo, Böhnhardt como o encarregado das armas e Zschäpe como responsável por cuidar do apartamento.
Após a morte da dupla, ela pegou uma lata de gasolina e ateou fogo ao apartamento, fugindo em seguida. Dias depois, acabou se entregando à polícia.
Quem foram as vítimas?
O caso da NSU engloba 10 assassinatos, dois atentados a bomba em Colônia, que deixaram mais de 20 pessoas feridas, e 15 assaltos a banco.
As vítimas dos assassinatos foram principalmente turcos, alvejados com uma pistola CZ 83 ao longo de sete anos.
Um grego identificado como Theodoros Boulgarides também foi morto em 2005.
A última vítima foi Michèle Kiesewetter, uma policial alemã baleada e morta quando estava sentada dentro de uma viatura, em um intervalo do serviço em 2007.
A relação entre os assassinatos só seria descoberta anos depois.
Por que os assassinatos ficaram anos sem solução?
A polícia suspeitava que os assassinos fossem turcos étnicos nas comunidades das vítimas, o que lhes rendeu o apelido de “os assassinos do Bósforo“, em referência ao famoso canal que leva esse nome em Istambul, na Turquia. Parte da imprensa alemã também chegou a usar o termo depreciativo “assassinos doner” – em referência ao doner kebab, um prato típico turco feito de carne assada.
Investigadores cogitavam a hipótese de parte das vítimas ter sido morta em acertos de contas por envolvimento em atividades criminosas – alegações que já foram retiradas do processo.
As famílias das vítimas, seus advogados e ativistas têm demonstrado frustração há muito tempo com o fragmentado sistema de policiamento da Alemanha, com 16 jurisdições diferentes para os 16 Estados.
Eles acreditam que o racismo institucionalizado dificultou a investigação e o julgamento.
Em particular, apontam para a agência de inteligência doméstica BfV, acusada por eles de ter destruído e editado arquivos relacionados à célula terrorista depois que ela se tornou conhecida, em 2011, além de ter protegido informantes pagos no submundo neonazista.
Abdulkerim Simsek tinha 13 anos quando seu pai, um florista e primeira vítima da NSU, foi morto em 2000.
Ele disse à mídia alemã que ver o corpo do pai baleado foi “o pior dia” de sua vida.
Ele e parentes de outras vítimas acreditam que há mais envolvidos nos crimes ainda em liberdade e que deveriam ser levados a julgamento. “Havia alguém com conhecimento local observando todas as vítimas“, disse Simseks ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung.
“Esse espião e outros apoiadores da NSU ainda estão soltos por aqui. E isso me incomoda muito.”
Questões não respondidas
Jenny Hill, correspondente da BBC, observa que Zschäpe estava sorrindo e relaxada nos minutos que antecederam o anúncio de sua sentença à prisão perpétua. A mulher falou apenas duas vezes ao longo dos cinco anos de julgamento.
“Mas, embora as sentenças condenatórias provavelmente sejam bem-vindas pelas famílias das vítimas, nem esses processos, nem uma série de investigações oficiais responderam a questões fundamentais“, diz Hill.
“Como e por que os assassinos escolheram suas vítimas?”, questiona ela e vai além: “Por que as autoridades alemãs – que dependiam de informantes pagos de dentro da comunidade neonazista e são acusadas de racismo institucionalizado – aparentemente fazem tão pouco para protegê-los?”
Como a NSU foi apanhada?
Em 2011, um DVD incomum foi recebido por algumas agências de notícias alemãs contendo uma espécie de confissão do grupo pelos crimes que havia cometido.
O dispositivo mostrava imagens manipuladas junto ao famoso personagem do desenho animado Pantera Cor-de-Rosa, em que o grupo exibia mensagens se vangloriando dos assassinatos, além de imagens dos atentados.
Em 4 de novembro do mesmo ano, Mundlos e Böhnhardt roubaram um banco em uma cidade alemã, como parte de uma série de assaltos semelhantes que haviam praticado. Desta vez, porém, a polícia conseguiu segui-los até uma van em que haviam se escondido.
Apesar de estar armada, a dupla não resistiu – e foi encontrada morta no interior o veículo. Investigadores acreditam que Mundlos atirou em Böhnhardt antes de se matar.
Zschäpe, então a única sobrevivente do trio da NSU, supostamente ateou fogo ao apartamento onde os três moravam em Zwickau. Ela se entregou poucos dias depois.
Contudo, o dano que o incêndio causou no imóvel não destruiu tudo – e os investigadores encontraram uma cópia do DVD da Pantera Cor-de-Rosa, ligando o trio ao nome da NSU e aos assassinatos.
A arma que teria sido usada nos assassinatos também foi encontrada nos escombros.
O público saberia a partir de então que uma célula neonazista havia operado impunemente por 11 anos, matando 10 pessoas – e que havia permanecido durante todo esse tempo desconhecida pela polícia.
Uma indignação pública generalizada se seguiu a isso, juntamente com várias investigações parlamentares que exigiram maior vigilância das atividades neonazistas.
Em julho de 2015, o Parlamento alemão aprovou um conjunto de reformas dando maior poder ao BfV para evitar que as falhas na investigação desse caso se repitam.
Esse conjunto de reformas incluiu mudanças importantes no uso de informantes pagos, conhecidos como “V-Leute“.