As eleições e as pessoas
Mesmo parte do eleitorado não está preocupada com as pessoas. Ocupam-se tão-somente, o que é compreensível, com “a sua pessoa”, com o seu individualismo, mas não com as pessoas em sentido coletivo, social
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Já há algumas eleições que candidatos de todos os níveis adotam a estratégia de demonstrar preocupação com as pessoas. O discurso é inequívoco. De fato, a Política dever servir às pessoas.
Ocorre, contudo, que muitos discursos não têm embasamento sequer teórico. Alguns candidatos, logo após demonstrar preocupação com as pessoas, apresentam propostas que beneficiam o (deus) mercado, por exemplo. E definitivamente não há como servir a esse “deus” e às pessoas na mesma ação.
Vou além. Até mesmo parte do eleitorado não está preocupada com as pessoas. Ocupam-se tão-somente, o que é compreensível, com “a sua pessoa”, com o seu individualismo, mas não com as pessoas em sentido coletivo, social.
Quando um candidato defende a manutenção da reforma (destruição) trabalhista, por exemplo, não está preocupado com as pessoas assalariadas. Preocupa-se com os números, já que tal mudança teria, segundo dados governamentais, aumentado o número de empregos (há controvérsias). A precarização das condições labutares e o arrocho salarial das pessoas beneficiadas(?) com a citada destruição não têm importância.
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Já quando eleitores reclamam ostensivamente contra o prefeito em virtude dum buraco de oito centímetros quadrados no asfalto em que passa seu carro, mas nada diz das péssimas condições das calçadas e passeios públicos (quando elas existem) em que caminham pessoas – a fiscalização disso cabe às prefeituras -, não estão preocupados com as pessoas que têm o saudável hábito de caminhar pela cidade. Estão preocupados com a suspensão dos seus carros, que extrapolou o meio de locomoção e se tornou símbolo do consumismo, da degradação ambiental e do parecer/ter em detrimento do ser.
Repito, gosto do discurso pró-pessoas. O estado, a coisa pública, deve servir a elas, não ao capital financeiro ou à estrutura capitalista/consumista. Ao contrário, a lógica de mercado e de consumo é que deve se adequar aos anseios da população, e não criar necessidades. Aliás, se o governo deve voltar-se ao mercado, eis aí uma contradição, já que os liberais afirmam a quase desnecessidade do estado na economia.
Cabe a nós, eleitores, selecionarmos quem realmente está preocupado com as pessoas, excluindo quem repete discurso pronto e sem real noção de sua abrangência.
Mas também cabe a nós, pessoas e enquanto cidadãos, cobrar do poder público as políticas voltadas à sociedade, ao coletivo, e não a um mínimo grupo privilegiado que tomou pra si o ilegítimo papel de representante social.
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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”