Austeridade e autoritarismo: falsas respostas para uma crise
Autoritarismo e austeridade não são as saídas. A solução para a crise e para o desenvolvimento econômico e social do Brasil é a volta de um Estado que coloque a política econômica a favor dos interesses sociais.
Ana Luíza Matos de Oliveira, INEEP
Três anos e meio após a adoção da austeridade fiscal no Brasil, os efeitos dela se fazem sentir nos indicadores sociais brasileiros. Por exemplo, em 12,9 milhões de pessoas que se encontram desocupadas no Brasil; no recorde histórico do número dos que desistiram de procurar emprego (desalentados) (cresceu de quatro milhões de pessoas de maio a julho de 2017 para 4,8 milhões de maio a julho de 2018); no aumento das ocupações sem carteira assinada e dos trabalhadores por conta própria; na ampliação da pobreza e da miséria segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Banco Mundial; na estagnação do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), depois de queda do indicador de renda de 2015 para 2016.
Os dados comprovam que o Brasil está andando pra trás em todos os indicadores desde 2015, como consequência da mudança de política econômica e adoção da austeridade fiscal.
A questão é que a causa dos problemas – a austeridade – é pregada como a solução dos problemas que causou. Da mesma forma como ocorreu no Brasil nos anos 90, o remédio amargo do neoliberalismo não funcionou para gerar crescimento porque, segundo seus defensores, “não teriam sido feitas todas as reformas necessárias”. O problema não é a austeridade, não são as reformas, dizem eles, mas que tais medidas não foram profundas o suficiente.
Em meio a esse marasmo econômico, em que permanecemos na maior crise da história brasileira, já se percebe a escalada do autoritarismo. De fato, isso não é exclusividade brasileira. Indignados com a perda de sua condição econômica e seu status simbólico, mundo afora há uma onda de revolta contra aqueles que supostamente são os “culpados”: negros, imigrantes, LGBT+, “minorias” em geral.
E isso nem é algo novo: na Alemanha nos anos 20/30, os judeus foram culpados pela crise por parte dos marqueteiros nazistas, o que justificou o posterior holocausto. Aqui no Brasil a revolta contra o “politicamente correto” e os “direitos humanos” são válvula de escape da crise para uma população conservadora. Talvez causasse desconforto a alguns se substituíssem a palavra “negro”, “feministas”, “gays”, “cotistas” nos chavões que são repetidos por “judeus”, pois aí ficaria claro como esse discurso é da mesma natureza, só tem diferentes destinatários.
Se por um lado o autoritarismo se expressa nessa faceta conservadora do ódio ao outro, ao “diferente”, tentando buscar um bode expiatório para os problemas, por outro lado ele também se expressa por parte das instituições a fim de levar a cabo programas impopulares, como cortes de gastos sociais.
Novamente, não é exclusividade do Brasil que a austeridade venha acompanhada de autoritarismo: a dupla também esteve presente na Europa em alguma medida após a crise de 2008 para impor à população as exigências de austeridade da Troika e, se nos lembrarmos da faceta autoritária do neoliberalismo, é impossível não retomar o exemplo do Chile.
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Em 11 de setembro de 1973, foi deposto no Chile o governo democrático de Salvador Allende, instaurando uma ditadura militar de caráter altamente liberal, liderada por Augusto Pinochet. A partir de então, o Chile foi laboratório de experimentos neoliberais, aplicados por acadêmicos da Escola de Chicago (a mesma onde se formou Paulo Guedes, economista de Bolsonaro).
A máxima do “Estado Mínimo” chegou a um paradoxo no Chile: para que o Estado fosse “mínimo” (com menos investimento nas áreas sociais, venda de Estatais e redução do direcionamento estatal para o desenvolvimento econômico), ele precisou ser “máximo” no sentido da coerção. A oposição a esse projeto foi calada na base da censura, da tortura, da morte e do exílio. E tal ditador tem sido alvo de louvores por alguns personagens da nossa cena política.
Austeridade e autoritarismo são falsas respostas a essa crise enfrentada pelo Brasil. Pelo menos falsas no sentido em que não serão capazes de entregar à população brasileira como um todo um projeto de desenvolvimento verdadeiramente inclusivo, que gere renda e trabalho, e consiga reduzir as desigualdades no país.
Austeridade e autoritarismo gerarão cada vez mais um país para poucos, com a renda ainda mais concentrada.
Só sairemos da crise social, política e econômica se percebermos que a diversidade do povo brasileiro é um ativo, não um problema, e que o Estado e as empresas estatais não são mera fonte de corrupção como tanto martelam hoje os meios de comunicação, mas podem ser parte da solução e certamente podem reduzir as desigualdades sociais e gerar crescimento.
Para isso, é necessário restabelecer e avançar no Estado democrático, interrompido pelo golpe de 2016.
Autoritarismo e austeridade não são as saídas. A solução para a crise e para o desenvolvimento econômico e social do Brasil é a volta de um Estado que coloque a política econômica a favor dos interesses sociais.
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