A sedução (e o veneno) do extremismo
“Professor, como foi possível, em diferentes países, nações quase inteiras terem apoiado monstruosidades como essas?”
Denis Castilho*, Pragmatismo Político
Quando fui professor do Ensino Fundamental da rede municipal de Goiânia, durante uma aula sobre geopolítica das guerras e de regimes totalitários, uma estudante, muito interessada e com olhar de espanto, pergunta: “professor, como foi possível, em diferentes países, nações quase inteiras terem apoiado monstruosidades como essas?”.
Se a aula fosse hoje seria mais fácil explicar como tudo se inicia. Exagero? Quando não há memória das crueldades de um regime político, qualquer alerta calha como devaneio. No Brasil, a história do regime militar é compreendida por poucos. Não há uma formação política (e cultural) suficiente que faça a população entender a gravidade que o extremismo representa. A noção, na maioria das vezes, não passa de uma abstração.
Tive a oportunidade de conversar com netos de pessoas que foram torturadas durante o regime militar do Chile e até com gente que nunca encontrou o corpo de seu familiar. Escutar a história sobre um pai de família amarrado no esteio de sua propriedade rural, aguardando sua tortura e assistindo sua esposa e filhos sendo abusados sexualmente e mortos de maneira cruel não pode parecer um fato isolado. Com lágrimas e lamento, pude sentir que em alguns países, diferente do Brasil, as lições da história em torno dessa questão são inegociáveis.
Enquanto isso, no Brasil, não faltam avenidas e rodovias com nomes que homenageiam torturadores. Em nosso país a história da tortura é contada como piada por alguns e há pessoas que ainda riem. O discernimento, neste caso, é uma questão de princípios. O que mais esperar nestes casos? O que dizer para um pai de família que defende a tortura e que resume, assim como seu ídolo, a sina de um país na ponta de uma bala?
A sedução dos extremistas sempre é barata e rasa – mas não deixa de ser uma sedução. A despeito de rasa, as respostas prontas e as soluções radicais acabam encontrando eco frente aos momentos de crise e de decepção generalizada. Juntam fanáticos, misóginos e ultrarradicais que, diante do contexto, vão contaminando e envenenando uma porção de fragilizados e desiludidos. Uma complexa rede de apoiadores e entusiastas vai se formando e o extremismo vai encontrando ressonância.
Ao invés da organização e da tomada de consciência sobre os perigos que isso representa, vai se formando um nacionalismo radical e extremista travestido de moral e de valores que não ultrapassam os limites das eleições. Usar palavras fortes e convincentes, como união, Deus, família e liberdade, mas invertê-las com a prática do ódio e da intolerância é dar um golpe fatal nas pessoas que, consciente ou inconscientemente, desejam um mundo mais tolerante e solidário.
Já dizia Marcel Proust: como podem homens sem Deus serem bons? Em resposta, o grande escritor português, Saramago, disse: “Como podem homens com Deus serem tão maus?”
Em tempos que somos obrigados a defender o óbvio, como disse Brecht, o desânimo ronda a alma e arrefece o instante. A anestesia, no entanto, não pode sobrepor as lições do tempo. Não desistirei do compromisso com a formação humana e tolerante. Não me iludirei com respostas fáceis e com saídas que se aproximam do fanatismo. Não deixarei que a sedução seja maior que o discernimento e nem admitirei que a insensatez sobreponha o sentido de humanidade e o compromisso com a vida.
A didática do tempo pode ser implacável, mas tomara que ela não elimine a nossa capacidade de luta, de debate, de enfrentamento e de devir.
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*Denis Castilho é doutor em geografia e professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás e colaborou com Pragmatismo Político.