Eleições 2018 mostram que o Brasil se inclina à direita
O resultado das eleições gerais representaram um duro revés para as esquerdas em geral e para o PT em particular. Números mostram que o Brasil se inclina à direita
Aldo Fornazieri, Jornal GGN
O resultado das eleições gerais representaram um duro revés para as esquerdas em geral e para o PT em particular. No Sul e no Sudeste houve uma devastação do PT: em nenhum lugar o partido disputa o segundo turno para governos estaduais e apenas salvou a reeleição de Paulo Paim num distante segundo lugar. Até mesmo o aliado histórico do partido, Roberto Requião, foi derrotado. Lindbergh Farias não se reelegeu no Rio e Suplicy e Dilma ficaram longe de vencerem. O resultado obtido por Márcia Tiburi ao governo do Rio foi bisonho e o do Luiz Marinho em São Paulo foi sofrível. No Rio Grande do Sul, o candidato do PT ficou de fora do segundo turno e o governador Pimentel, em Minas Gerais, amargou um terceiro lugar.
O PT se salvou apenas no Nordeste. Comparando os resultados obtidos por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad também se revela uma derrota amarga para o PT e para as esquerdas. Guilherme Boulos ficou longe de ter uma votação significativa. O Brasil se inclina à direita.
Nos casos das candidaturas ao Senado e aos governos estaduais do PT ocorreram más escolhas em alguns casos, e erros de condução de campanhas em outros. Não há espaço aqui para discuti-los. No caso das eleições presidenciais ocorreram vários erros, alguns pregressos à campanha e outros na condução da mesma. Dentre os vários erros, destacam-se dois.
O primeiro diz respeito ao fato de que o PT nunca se reconciliou com a sociedade brasileira. Conseguiu apenas se reconciliar com seus eleitores. O partido teve inúmeras oportunidades de reconhecer seus erros, tanto no que diz respeito à corrupção, quanto no que diz respeito à condução do governo Dilma, mas nunca o fez, nunca pediu perdão para que pudesse restabelecer um novo início, virar a página do passado. Confrontado várias vezes durante a campanha acerca desse problema, Haddad não tinha o que responder. Foi evidente o seu constrangimento, o que pesa negativamente. Assim, sem nenhuma resposta para os erros cometidos, permitiu-se que o antipetismo continue correndo solto, disseminado pelos inimigos, pelos adversários e pela grande mídia.
O segundo erro pré-campanha diz respeito à forma como o PT se conduziu acerca da questão da condenação e da prisão de Lula e da interdição de sua candidatura. O partido apostou quase que exclusivamente na via judicial, negando-se a mobilizar os movimentos sociais. Sabia-se de antemão que a via judicial conduziria a uma derrota certa. Mas o partido se negou a buscar forças e a promover pressões com mobilizações de rua. Mostrou-se fraco, não gerou confiança e as suas lideranças se mostraram inseguras, incapazes de dar rumo e direção aos ativistas e aos eleitores.
Já no contexto da campanha, os erros da direção do PT se reforçaram. Um deles consistiu em não definir o candidato a vice-presidente já em maio ou junho. Essa decisão era necessária para construir a personalidade política do substituto de Lula e também para torná-lo mais conhecido nacionalmente. Como a indicação de Haddad para vice e, depois, para substituto, só ocorreu na antevéspera das eleições é evidente que isto limitaria a transferência de voto e também impediria que o candidato reforçasse na campanha sua própria condição de líder, as suas qualidades e virtudes.
No rastro desse erro foi cometido outro: se era correto vincular Haddad a Lula no início da campanha, ao longo da mesma era necessário reforçar a condição de líder de Haddad, enfatizando suas qualidades como governante. Na medida em que isto não foi feito, Haddad foi projetado como um líder fraco, subordinado a Lula. O “Haddad é Lula” foi se tornando prejudicial, assim como o slogan “O Brasil Feliz de Novo” foi uma chamada pueril, para uma disputa gremial, em face da natureza da disputa que está posta.
O eleitorado quer um líder, um presidente forte, que resolva os seus problemas e que acabe com a desordem institucional, moral e social instalada. Boa parte do eleitorado foi identificar isso em Jair Bolsonaro e viu nele a possibilidade mais efetiva de mudança. A campanha do PT, sempre entregue a vendedores de sabonete, foi incapaz de perceber isto e foi incapaz de projetar a imagem de Haddad como um líder que vem para resolver os problemas do povo e do país.
Outro grave erro do PT consiste na subestimação do Bolsonaro. Se no início da campanha era razoável duvidar de sua viabilidade, as primeiras semanas já desfizeram esta dúvida. Todos sabem que a campanha de Bolsonaro está assentada nas redes sociais, com forte presença no Whatsapp, e que, nelas, houve a construção da personalidade política de Bolsonaro como um “mito” e que esta construção gerou devotos que não se abalam por nenhuma consideração racional.
A extrema-direita vinha usando esses expedientes em várias campanhas em outros países. Essas campanhas se especializaram em transformar a verdade em mentiras e as mentiras em verdades. Isto faz parte de um conceito de guerra política e de que as campanhas precisam usar táticas de guerra, onde valem a força e fraude. É o que a campanha de Bolsonaro vem fazendo diariamente sobre vários temas.
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O PT não preparou uma contra-estratégia para enfrentar essa estratégia e nem preparou uma estratégia para agir de forma ampla nas redes sociais para influenciar eleitores. As análises de rede mostram uma constante vantagem de Bolsonaro sobre Haddad. Os militantes do PT nas redes sociais não agem a partir de conteúdos orientados centralmente, mas, disparam, de forma dispersa, em todas as direções. Isto não é eficaz.
A direção do PT e as lideranças do partido perderam a dimensão da disputa política, a natureza da disputa pelo poder. Mesmo com as sucessivas derrotas, não desceram das altas tamancas da arrogância. Sem prudência, com escassa coragem, são dominados por um vício que vem cavando a desgraça de líderes, Estados e partidos ao longo dos tempos: se comprazem em serem adulados e recusam ouvir as advertências.
Os aduladores, normalmente, adulam por dois motivos: 1) porque se sentem seguros no seu auto-engano na suposta infalibilidade dos líderes e dos partidos; e, 2) os analistas e conselheiros adulam porque são áulicos dos líderes, querem estar perto dos poderosos, principalmente por interesse. Bastou Haddad crescer um pouco que alguns proclamara a ultrapassagem de Bolsonaro, uma onda vermelha que encheria o Senado e a Câmara de representantes petistas. Esta demagogia faz mal à militância, ao PT e à transformação do Brasil.
Para alguns erros não há o que fazer. Para outros, o tempo é curto e exige competência e coragem.
Os pontos a serem enfrentados estão aí:
↘ centralizar a campanha nas competências e virtudes de Fernando Haddad (e Manuela D’Ávila), mostrando que ele é um líder forte, capaz de enfrentar e resolver os problemas do povo e de unir o Brasil;
↘ enfatizar a crença e a fé no Brasil, no seu futuro, no seu desenvolvimento com justiça, conduzido por um presidente forte, justo e humano;
↘ criar outro slogan da campanha, compatível com a natureza da disputa e selecionar três ou quatro ideias-força;
↘ encontrar uma fórmula eficaz de defender-se dos ataques e das mentiras, de influenciar as redes sociais orientando a ação da militância; defender-se do problema da corrupção, na medida do possível;
↘ encontrar uma fórmula eficaz de atacar a estratégia de guerra política assentada na transformação da verdade em mentira e das mentiras em verdades, repudiando as mentiras e afirmando que o povo não pode eleger um presidente que se sustenta nas mesmas;
↘ trabalhar para construir uma ampla frente democrática em defesa da democracia e contra o fascismo.
Aqui é preciso observar que a grande maioria dos eleitores de Bolsonaro não é fascista. O embate democracia versus fascismo pode ter uma maior eficácia relativa na classe média, mas é importante para reforçar a cultura democrática.
É preciso fazer uma campanha quente, de mobilização, de rua, de atos, mostrando força, pois o risco de uma derrota é grande. Se o eleitorado de Bolsonaro não é fascista, o seu entorno é fascistóide, violento e incontrolável. Isto poderá mergulhará o Brasil no abismo da violência política generalizada e aprofundar a sua tragédia social.
*Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
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