Redação Pragmatismo
Eleições 2018 10/Out/2018 às 17:43 COMENTÁRIOS
Eleições 2018

A influência do agronegócio no voto em Jair Bolsonaro

Publicado em 10 Out, 2018 às 17h43

Mapa revela que eleitores de Bolsonaro estão em áreas de influência do agronegócio. Maioria dos votos vem de regiões dominadas por ruralistas, que firmaram aliança com o "candidato dos sonhos": promete acabar com o "ativismo ambiental xiita" e defende o livre uso de agrotóxicos

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Cida de Oliveira, RBA

O mapa da votação do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno da eleição mostra que seu eleitorado está concentrado nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A distribuição coincide com as áreas de produção de soja, um dos principais pilares do agronegócio brasileiro.

O setor, que responde por 25% das exportações, é praticamente isento de impostos, inclusive de exportação, e cria poucos empregos em comparação com outros setores econômicos. Utiliza imensas extensões de terra para o monocultivo de culturas como a própria soja, milho, soja, eucalipto e algodão, com sementes transgênicas, que recebem altas doses de agrotóxicos despejados por aviões.

Esses venenos são levados pelos ventos por quilômetros além do alvo, caindo sobre casas, escolas, animais, contaminando pessoas, a produção familiar de alimentos orgânicos e rios. Causam diversos tipos de câncer, malformações congênitas, alterações hormonais e outros males graves.

Um modelo que assassina também indígenas, quilombolas, assentados e outros trabalhadores rurais vítimas de emboscadas e ataques nos frequentes conflitos agrários. Uma guerra no campo, desigual, que Bolsonaro pretende colocar fim ao legalizar o porte de armas já rotineiro entre os ruralistas e seus jagunços.

Braço do agronegócio dentro do Congresso, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) já havia declarado apoio a Bolsonaro. No último dia 2, a presidenta da frente, a deputada federal reeleita Tereza Cristina (DEM-MS), visitou o presidenciável em sua casa, no Rio de Janeiro. E emitiu nota oficial com a seguinte mensagem:

Certos de nosso compromisso com os próximos anos de uma governabilidade responsável e transparente, uniremos esforços para evitar que candidatos ligados a esquemas de corrupção e ao aprofundamento da crise econômica brasileira retornem ao comando do nosso país”.

Além disso, o integrante da FPA, deputado reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que desde o início intermediou as conversas dos ruralistas com Bolsonaro, está sendo cogitado para chefiar a Casa Civil de um eventual governo do capitão do Exército que há 27 anos é deputado federal pelo RJ.

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No mapa da esquerda, a produção de soja em 2015, segundo o IBGE. O grão é um dos principais pilares do agronegócio, que ajudou a eleger Bolsonaro em seus currais eleitorais (RBA)

Em entrevista à TV Bandeirantes nesta segunda-feira (10), o presidenciável disse que pretende acabar com a “indústria de demarcação de terras indígenas” e o “ativismo ambiental xiita“.

Programas sociais

Pelo mesmo mapa do TSE, a população de estados do Nordeste e do Pará deu vitória ao candidato Fernando Haddad (PT), repetindo desempenho da presidenta reeleita e deposta Dilma Rousseff (PT) em 2010 e 2014.

É o reconhecimento dos efeitos positivos das políticas inovadoras implementadas de 2003 a 2016 na região para reduzir as desigualdades no país, como avanços na seguridade social, a recuperação do valor do salário mínimo, programas de habitação e os que levaram energia elétrica para as populações pobres do interior do Brasil fizeram muita diferença no Norte e Nordeste“, avalia o agrônomo e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Gabriel Bianconi Fernandes.

Coautor do Atlas do Agronegócio, ele considera que investimentos em experiências de convivência com o semiárido, por meio de cursos oferecidos em novos institutos federais criados na região, a construção de cisternas, oferta de recursos para sementes e seguro agrícola, entre outros permitiram o desenvolvimento da agricultura familiar.

Havia também políticas de segurança alimentar articuladas com o fortalecimento da agricultura familiar, por meio de políticas sociais e produtivas ao mesmo tempo“, avalia.

O pesquisador destaca ainda o impacto positivo de programas como o Bolsa Família na economia local. “Essa transferência de renda para as famílias mais pobres, que fazia girar a própria economia local, também ajudou a aquecer a economia dos municípios do semiárido e do Nordeste como um todo.”

Como lembra Gabriel Fernandes, os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, que implementaram todos esses programas, são os mesmos que também estimularam o crescimento do agronegócio. “No entanto, a comparação dos mapas indica que não há reconhecimento do setor beneficiado por investimentos que não foram pequenos.”

“O que parece, pelos resultados, é que o setor do agronegócio está negando todas essas políticas e, em um gesto camicase, suicida, está apostando em um candidato medíocre, que propaga a violência e a brutalidade como método de governo e ideologia, substituindo a política. Ou seja, a cegueira do agronegócio causada pelo antilulismo e antipetismo está impedindo o setor de reconhecer o quanto foi beneficiado e impulsionado por esses governos, a exemplo do que acontece com os sábios eleitores do Nordeste“.

Na sua análise, do ponto de vista político, o voto do agronegócio seria mais coerente se confiado ao candidato Ciro Gomes (PDT). E não só pelo fato de a senadora ruralista Kátia Abreu (PDT-TO) ter sido a vice na chapa.

Vários pontos do programa de governo que ele apresentou indicam o fortalecimento do agronegócio na linha do que já vinha sendo feito e também de atender várias pautas do setor. A sinalização do Bolsonaro é muito diferente, porque ele está propondo um desmanche geral e absoluto de setores inteiros. Colocar o Ministério do Meio Ambiente sob o Ministério da Agricultura significa desmanchar totalmente as regras ambientais, das medidas de preservação, o Código Florestal, o licenciamento ambiental, sem contar a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia.”

A aliança do agronegócio com Bolsonaro e todo o retrocesso por ele sinalizado expressa ainda, segundo ele, a contradição do discurso ruralista.

O setor que na TV se vende como moderno, pop, tech e tudo o mais, que consegue produzir preservando o meio ambiente é, na verdade, aquele que para produzir pretende acabar com unidades de preservação, com terras indígenas, usar agrotóxicos sem nenhum tipo de controle e assim por diante. Exatamente como Bolsonaro está prometendo.

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