Redação Pragmatismo
Educação 29/Nov/2018 às 17:25 COMENTÁRIOS
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A Universidade Pública forma gente de verdade

Publicado em 29 Nov, 2018 às 17h25

Sucatear a Universidade Pública é acabar com uma das maiores fontes de conhecimento, empatia, tolerância, pluralidade, intelectualidade e, acima de tudo isto, de humanidade

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Attilio Giuseppe*, Pragmatismo Político

Nascido e criado no Grajaú, bairro de classe média e classe média alta, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, fui um adolescente bastante clichê dentro da sociedade burguesa. Estudei em escola particular, tive videogames, aniversários recheados de presentes e fartura nas mesas. Um quarto próprio dentro da casa de meus pais, com TV a cabo, internet e computador. Tive tudo que alguém precisa para crescer saudável e feliz. Ao concluir o colégio fiz curso pré-vestibular na Tijuca e vivi submerso na minha bolha social. As nossas grandes preocupações eram usar roupas de marca, tênis Nike Shox e cordão de prata maciça. Era pouco crítico, nada engajado, nada politizado e pouco ligado no que realmente deveríamos ser.

Após 19 anos de uma vida material perfeita deparei-me com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, no curso de História, ano 2005. Passei na última reclassificação e fui com minha bermuda da Redley, camiseta da Rip Curl, tênis Reef no pé e obviamente, o tal do cordão. Sentia-me o dono daquele prédio, afinal via passar por mim diversas pessoas, com aparências bem diferentes daquilo que eu imaginava como ideal (entenda-se: mal vestidas e portadoras de gostos musicais duvidosos).

Conheci de morador da Urca a residente da Baixada. Gente que chegava de carro próprio e os que pegavam trem e ônibus. Conheci alguns “metidos a playboy”, os alternativos, militantes de movimentos sociais, os dedicados, rockeiros, funkeiros e aqueles que acampam aos finais de semana e ficam no meio do nada fumando e sentindo a natureza. Tinha “de tudo um pouco”.

Eu, preconceituoso e desconfiado olhei torto para muitos, não ia com a cara de ninguém, assim de primeira. Era o que chamavam e talvez chamem até hoje, de “cheio de marra”. Gostava de falar de futebol, torcida organizada, tocar pagode e analisar… futebol. Pois bem, nada que tenha a ver com política, economia ou sociedade. Tive professores liberais, ledores de textos, mentes brilhantes e um que foi torturado na época da Ditadura.

Fiz matérias inesquecíveis e outras só entrava para assinar a lista de presença. Algumas, nem isto, o professor não cobrava. Conheci pessoas que cursavam Música, Teatro, Museologia, Biologia, Direito, Biblioteconomia, pelo menos que me lembre agora. Saía da faculdade as sextas e ia jogar sinuca e beber cerveja. Li textos, livros em tempo recorde, participei de debates, assisti palestras, presenciei reivindicações, toquei pagode, joguei sueca e conversei, muito. Despejei preconceitos e sensos comuns. Destilei ódio e falei absurdos.

Com o tempo, meio que naturalmente as coisas foram mudando. Uma elevação do autoconhecimento, refinamento do senso crítico, aumento da bagagem intelectual e uma incrível e incontrolável capacidade de conviver com a diversidade, sem que isto fosse mais um incômodo, ou mesmo foco de julgamentos imbecis.

E a que se deve tanta mudança?

Exatamente a tanta diversidade! A Universidade Pública é uma explosão de qualquer bolha social e uma reconstrução da percepção do que é a sociedade na essência.

Não fui aprendiz de nenhum professor, não fui obrigado a concordar com nada, não me foi imposto apenas uma ideia e muito menos seria possível qualquer das situações anteriores, num ambiente tão fértil, plural e enriquecedor. O somatório de tantos aspectos muda o ser humano, que sem perceber, passa a enxergar os absurdos que cultivava e recebe a luz da saída da caverna.

Ninguém particularmente é capaz de gerar isto. Nem uma matéria ímpar. Nem um período específico. Tudo e todos geram esta comoção e num dado momento, todo aquele vazio que era a vida é tomado por tantos significados. Todos os julgamentos dão lugar à tolerância. As diferenças se transformam em itens a serem somados. A ignorância é substituída pela essência.

Foi nesta fase da vida que renasci, não que antes a vida não tivesse existido, mas a partir daquele momento passei a ver o mundo e as pessoas, sob uma perspectiva muito diferente. Na verdade passei a enxergar as pessoas e não mais ignorá-las. Esta é uma experiência pessoal, mas que pode ser atribuída a tantas outras pessoas, que passaram pelo mesmo processo.

Sucatear a Universidade Pública é acabar com uma das maiores fontes de conhecimento, empatia, tolerância, pluralidade, intelectualidade e, acima de tudo isto, de humanidade. Se existe doutrinação na sociedade, ela é praticada em qualquer lugar, mas jamais nas universidades públicas.

Hoje estamos de frente com vários debates e este, um deles. O pai tem o direito de se posicionar, mas não tem o direito de tirar do seu filho, a opção de escolha. A Universidade pública forma gente de verdade.

*Attilio Giuseppe é historiador, professor e colaborou para Pragmatismo Político.

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