MEC volta atrás sobre Hino Nacional e slogan de Bolsonaro nas escolas
Ministro da Educação diz que errou ao pedir que escolas filmassem crianças cantando o Hino Nacional. Em nova carta a escolas, Ricardo Vélez Rodriguez também retirou trecho que citava slogan de Bolsonaro
O Ministério da Educação (MEC) recuou e apresentou uma nova versão da carta que o ministro Ricardo Vélez Rodríguez quer que seja lida em todas as escolas da país.
Agora, o texto suprimiu o slogan usado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) durante a campanha eleitoral: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Segundo a pasta, o ministro considerou a inclusão da frase um “equívoco”.
Ricardo Vélez Rodriguez admite ainda que errou ao pedir que as escolas filmassem as crianças cantando o Hino Nacional perfilados diante da bandeira do Brasil sem autorização.
O MEC agora informa que a filmagem tem de ser previamente autorizada pelos pais — antes, esta permissão estava condicionada apenas à divulgação das imagens. Dessa vez, no comunicado, o MEC destacou o caráter voluntário da iniciativa.
“Cantar o Hino Nacional não é constrangimento, não, é amor à pátria”, disse. E acrescentou: “O slogan de campanha foi um erro, já tirei, reconheci, foi um engano, tirei imediatamente. E quanto à filmagem, só será divulgada com autorização da família”, disse Vélez Rodriguez ao ser questionado nesta terça-feira (26) no Senado Federal.
O ministério afirma que a iniciativa faz parte “da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais” e disponibiliza dois endereços de e-mail para o envio das imagens.
“Após o recebimento das gravações, será feita uma seleção das imagens com trechos da leitura da carta por um representante da escola para eventual uso institucional”, diz o MEC.
Antes da divulgação da nova versão, a repercussão da carta foi negativa entre entidades ligadas à educação. O Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) disse, em nota, que a ação fere não apenas a autonomia dos gestores, mas dos entes da Federação.
“O ambiente escolar deve estar imune a qualquer tipo de ingerência político-partidária”, disse o Consed. Para o órgão, o Brasil precisa, “ao contrário de estimular pequenas disputas ideológicas na Educação”, priorizar a aprendizagem.
Segundo o diretor de Políticas Educacionais do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, mesmo que o pedido tenha caráter voluntário, é uma ação “sem precedentes no passado recente brasileiro”.
O que essa ação reforça, para ele, é que o MEC caminha no sentido contrário do que precisa ser foco. “É desvio do que é essencial. O MEC tem se silenciado até aqui a respeito de temas urgentes.”
Para ele, a pasta deveria aproveitar o início do governo para propor políticas capazes de melhorar a aprendizagem, como tornar a carreira docente mais atrativa, discutir fundos para a área e implementar a Base Nacional Comum Curricular, que define o que deve ser aprendido em cada etapa escolar.
O que diz a lei
A execução do hino nacional nas escolas está prevista em lei. O texto está na lei 5.700 de 1971, sobre a apresentação de símbolos nacionais:
Art. 39. É obrigatório o ensino do desenho e do significado da Bandeira Nacional, bem como do canto e da interpretação da letra do Hino Nacional em todos os estabelecimentos de ensino, públicos ou particulares, do primeiro e segundo graus.
Em 2009, um parágrafo foi acrescentado ao artigo:
Parágrafo único: Nos estabelecimentos públicos e privados de ensino fundamental, é obrigatória a execução do Hino Nacional uma vez por semana.
Filmar crianças nas escolas. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente garante o direito à preservação da imagem. Diz o texto da lei:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Portanto, filmar as crianças sem autorização é ilegal. A autorização deve ocorrer de maneira formal, com assinatura de documento na escola.
Slogan de Campanha. O artigo 37 da Constituição Federal diz que a administração pública de qualquer um dos poderes deve seguir os princípios da “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
De acordo com o professor titular de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Daniel Sarmento, a interpretação é que o uso do slogan de campanha fere os princípios da impessoalidade e da publicidade.
“O artigo 37 veta que se utilize publicidade e atos de governo veiculados a nomes de governantes. Isso vem sendo interpretado de maneira ampliada também para slogan de campanha. A ideia é desassociar o estado [poder público] ao nome das pessoas e também slogans de campanha. Também tem a questão da impessoalidade administrativa, a separação entre o público e o privado. A lógica da separação do Estado não pode confundir com a lógica nem do partido, nem de governantes”, diz.
Segundo Luciano Godoy, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, como parte do slogan tem caráter religioso (“Deus acima de todos”) vai também contra a liberdade religiosa: “O Estado não pode se vincular a nenhum tipo de religião ou igreja. O Brasil é laico, o Estado não pode impor que as pessoas acreditem em algo”.