David Miranda celebra adoção dos filhos: "dia mais feliz da minha vida"
Deputado e marido comemoram a adoção de duas crianças: “LGBTs também podem ser pais e formar famílias. Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida. São as crianças mais incríveis do mundo”
Edson Sardinha, Congresso em Foco
O deputado fluminense David Miranda (Psol) e o jornalista norte-americano radicado no Brasil Glenn Greenwald estão juntos há 14 anos. Desde a última sexta-feira (22), os dois são oficialmente pais de duas crianças, de 11 e 9 anos de idade, adotadas em Maceió.
Os garotos vivem com o casal no Rio desde novembro de 2017, mas somente agora, após o cumprimento de uma série de exigências e de período de observação, o processo de adoção foi concluído.
“Todos os nossos direitos estão assistidos. A mensagem que passamos às pessoas, como figuras públicas, é que pessoas LGBT podem ser pais e formar família”, afirmou o deputado. “Hoje [sexta, 22] é um dos dias mais felizes da minha vida. São as crianças mais incríveis do mundo”, completou. As informações são do Congresso em Foco.
David é o segundo deputado homossexual assumido a empunhar a bandeira LGBT na Câmara. Suplente na última eleição, o ex-vereador carioca foi alçado à titularidade após a renúncia de Jean Wyllys (Psol-RJ), justamente o primeiro parlamentar gay a defender a causa. Jean desistiu do mandato e deixou o Brasil após denunciar que estava sendo perseguido e ameaçado de morte por causa de sua militância.
David e Glenn postaram no Twitter vídeo do momento em que ele, o marido e as crianças concluíram o processo de adoção na última sexta:
Eu nunca me senti tão feliz em toda minha vida. Viva a família! Viva o respeito! Viva o amor! ♥️👨👨👦👦 pic.twitter.com/lOnND5mySs
— David Miranda (@davidmirandario) 24 de março de 2019
Today @davidmirandario and I were in a family court in Northeastern Brazil to complete the final legal step of our adoption. I didn’t expect it to be so amazing. One of the best moments of our lives pic.twitter.com/g3411PDQRi
— Glenn Greenwald (@ggreenwald) 22 de março de 2019
Os filhos de David e Glenn – João Victor e Jonathan – são irmãos biológicos e viveram por dois anos e meio separados em abrigos na capital alagoana. Reencontraram-se e, em setembro de 2017, tiveram o primeiro contato com os futuros pais por videoconferência. Na época, os dois estavam fora do país a trabalho. “De cara percebi que seriam nossos filhos. Comecei a chorar, foi um momento de muita emoção para a gente”, diz o deputado.
Resistência
Por não fazer qualquer referência à orientação sexual, a legislação brasileira que trata do assunto permite a adoção por gays, inclusive solteiros. Desde 2009 casais com união estável comprovada podem entrar com pedido de adoção conjunta, mesmo sem o casamento civil. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, garantindo também a eles todos os direitos previstos para casais héteros. Mas ainda há resistência nas ruas. Segundo pesquisa Ibope divulgada ano passado, 55% dos brasileiros são contra a união estável e a adoção de crianças por casais homossexuais.
Entre os críticos do casamento gay está o presidente Jair Bolsonaro e, certamente, a maior parte de seu eleitorado, considerado mais conservador. No Congresso há projetos de lei que pretendem impedir a adoção por casais homossexuais. “Sabemos que, no nosso caso é só o começo. Mas é um pedaço de papel que ninguém pode tirar de nós, mesmo com esse governo. A gente vai resistir com bastante amor e luta por famílias LGBT e todas as famílias em geral”, diz o deputado.
David Miranda conta que há cinco anos queria ser pai. Demorou dois anos e meio para convencer o parceiro da ideia. Daí em diante, segundo ele, o processo foi rápido. Em nenhum momento, explicou, percebeu alguma discriminação ou resistência em razão da orientação sexual.
Como qualquer casal, eles passaram por um processo que envolvia reuniões com psicólogos, assistentes sociais e contato com outros pais adotivos. Após a aprovação do processo pela Vara da Infância no Rio, os dois entraram no chamado cadastro de busca ativa. Procuravam por um menino de três a nove anos, de qualquer canto do país, com possibilidade de adoção também de um irmão.
Fila de adoção
No Brasil, onde cerca de 8 mil crianças aguardam por novos pais e por um novo lar, a resposta foi rápida. Um mês depois, eles já tinham o primeiro contato virtual com os dois meninos alagoanos. Passados mais dois meses, estavam todos morando juntos no Rio.
David conta que o casal não enfrentou dificuldade ao longo do processo e que as crianças jamais questionaram o fato de terem dois pais e nenhuma mãe. “Explicamos a situação para eles. Lemos livros, nunca houve questionamento. Eles nos chamam de pai David e pai Glenn.”
Desde que assumiu o mandato em Brasília, em fevereiro, David passa metade da semana longe dos filhos. Os dois só vieram à capital para o dia da posse de David. “Não dá para faltarem à escola. Eles sabem que têm esse compromisso com os estudos”, afirma.
As crianças estudam em uma escola bilíngue, em período integral. Também já conseguem se comunicar em inglês, língua nativa de Glenn e mais usada nos diálogos em casa pelo casal. “O colégio onde estudam é progressista. Os meninos não têm problema algum em relação a serem nossos filhos. Há outras crianças adotadas que são amigas delas. É supertranquilo”, diz o deputado, que conta que é o mais durão entre os dois pais.
Caso Snowden
Assim como o marido, David, de 33 anos, também é jornalista. Ele apareceu no noticiário pela primeira vez, como objeto de reportagem, em agosto de 2013, quando foi detido por policiais no aeroporto de Londres ao tentar embarcar de volta para o Brasil. Interrogado e mantido incomunicável por nove horas, teve confiscados telefone, computador, câmera e outros objetos pessoais. A polícia alegou que ele era suspeito de terrorismo.
A detenção foi considerada uma represália ao marido de David. Dois meses antes Glenn havia publicado, pelo jornal britânico The Guardian, em parceria com Edward Snowden, a existência dos programas secretos de vigilância global dos Estados Unidos, efetuados pela sua Agência de Segurança Nacional. Snowden, que hoje vive exilado, havia trabalhado para agência e contou, no caso do Brasil, que grandes empresas como a Petrobras e a então presidente Dilma haviam sido espionadas.