Para ofender Lula e as esquerdas, Ferreira Gullar recorre à mediocridade plena
Nada mais conservador do que um ex-comunista. É a síndrome do ex-fumante ou do ex-drogado, o cara que cria uma fundação para pregar a moral que não viveu
Ano-Novo, vida velha. Ferreira Gullar foi um baita poeta. O seu “Poema Sujo” é arte das grandes. Foi artista engajado, mas a sua poesia conseguia ir muito além dos clichês bem-intencionados dos revolucionários. Hoje, certamente para ganhar a vida ou sentir-se vivo, escreve “crônicas” na Folha de S.Paulo. O seu primeiro texto de 2012 mostra o grande poeta transformado num cronista de meia pataca destilando lugares-comuns conservadores para felicidade de leitores conformistas que se acham cult ou muito críticos. Um mingau azedo polvilhado de certezas sem amparo dos fatos. Por exemplo: “A América Latina vive hoje, por determinadas razões, a experiência do neopopulismo, que tem como principal protagonista o venezuelano Hugo Chávez. É um regime que se vale da desigualdade social para, com medidas assistencialistas, impor-se diante do povo como seu salvador. Lula seguiu o mesmo caminho, mas, como o Brasil é diferente, não conseguiu o terceiro mandato. A solução foi eleger Dilma para um mandato tampão”. Como prova? Apenas o seu ranço.
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Nada mais conservador do que um ex-comunista. É a síndrome do ex-fumante ou do ex-drogado, o cara que cria uma fundação para pregar a moral que não viveu. Para ser colunista nos jornalões brasileiros, é preciso, em geral, ser muito conservador ou transferir capital de um bolso para outro, usando a fama de uma atividade como base para o exercício de outra. A direita domina amplamente os chamados espaços de formação de opinião na imprensa. Há jovens que sobem logo ao trono, adotando ideias reacionárias e velhas que, enfim, conquistam novos prêmios, espaços e adulações repetindo fórmulas gastas pela mídia soberana. Ao não buscar um terceiro mandato, Lula frustrou os seus críticos, tirou-lhes – para adotar o atual tom clichê de Ferreira Gullar – o pão da boca e deixou-os por aí a jogar conversa fora. Aquele que foi um poeta maior, de imagens desconcertantes, agora termina suas análises mal-iluminadas com uma frase formalmente constrangedora: “Temo pelo que possa acontecer à Argentina, nas mãos de uma presidente embriagada pelo poder”. Pobre poeta, embriagado pela sua mediocridade. Embriagado pela mediocridade do poder da mídia. Enquanto isso, na mesma Folha de S.Paulo, um cronista de ofício, Carlos Heitor Cony, depois de algumas temporadas sentenciosas, faz o caminho inverso: termina de envelhecer bem, disseminando um ceticismo levemente irônico de dar inveja a um Machado de Assis. Assim: “Que venham as tempestades da natureza, contra a qual pouco podemos. Quanto às tempestades provocadas pelos escândalos e pela corrupção da qual estamos fartos, não custa apelar para o fervor de nossas preces”.
Como cronista, Ferreira Gullar é um Neymar improvisado de lateral. Há quem confunda ter criticado o stalinismo, na época da queda do muro de Berlim e das ditaduras do Leste europeu, com louvação ao capitalismo sem regulação, esse que quebrou a Europa e parte da economia dos Estados Unidos.
Pois é, o poeta Ferreira Gullar perdeu-se em corsos, comícios, discursos a granel. Vai ver que é a coincidência do nome com outro maranhense: José Ribamar.
Juremir Machado da Silva, Correio do Povo