Presença de ministros folclóricos no governo Bolsonaro é estratégica
Extrema-direita se sustenta projetando um 'inimigo'. Presença de ministros 'folclóricos' no governo não é aleatória, mas estratégica. "Bolsonaro não poderia ter apenas um núcleo econômico, que é impopular", observa professora de Relações Internacionais da Unifesp
Vitor Nuzzi, RBA
Jair Bolsonaro representa uma união “interessante e também muito perigosa” entre neoconservadorismo e neoliberalismo, uma “aliança promíscua” que leva a uma política predatória, analisa a professora Esther Solano, que deu palestra na noite de ontem (11) no Centro Universitário Maria Antônia, da Universidade de São Paulo. É isso que permite, por exemplo, a convivência, entre Chicago boys, como Paulo Guedes, e pessoas como Ernesto Araújo. A cientista política observa que a presença de ministros considerados “folclóricos” no governo não é aleatória.
“É uma complementariedade de estratégias“, diz Esther. “O governo Bolsonaro não poderia ter apenas um núcleo econômico, que é muito impopular.”
A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) vem há anos realizando entrevistas com simpatizantes de Bolsonaro. Recentemente, captou eleitores que se dizem arrependidos, mas não de uma maneira que poderia ser revertida politicamente, pois são pessoas aparentemente decepcionadas com o que consideram certa “fraqueza” do presidente eleito, de quem esperavam algo mais “linha-dura“.
Ela aponta um novo “sujeito sociológico“, representado pela classe média. “Muitas vezes as esquerdas não têm um discurso para as classes médias, que é quem organiza o debate público“, diz Esther.
E foram exatamente esses segmentos, lembra, os beneficiados por políticas públicas, como o Fies e o Minha Casa Minha Vida, mas que também passam a adotar o discurso da meritocracia e do individualismo, além da rejeição aos pobres. Algo que ela chama de “reelaboração da memória“, segundo a qual não foi o governo do PT que proporcionou avanços, foi o contexto internacional; ou ainda não foram as políticas públicas que permitiram progressos, mas o esforço individual.
Mesmo sendo um político com três décadas de presença no parlamento, Bolsonaro beneficiou-se de um discurso de criminalização da política e de ataque ao Estado, como sinônimo de ineficácia. Um sentimento contra o fazer político “e portando do fazer coletivo“. Soma-se uma “Justiça de espetáculo“, moralista e quase messiânica, estimulando um ambiente de linchamento coletivo, sem os devidos processos penais. “O foco dessa criminalização é sempre o poder público.”
E há também o que a pesquisadora chama de “operação psico-política“, que beneficiou um espectro ideológico. “A extrema-direita sempre opera potencializando um sentimento, que é o medo. E utiliza uma figura que é muito útil, que é bode expiatório. Você se mantém politicamente vivo graças à projeção desse inimigo. É uma ficção generalizada, uma paranoia coletiva.”
O “inimigo“, no caso, podem ser os “comunistas” ou aqueles que estariam determinados a acabar com valores da família, por exemplo. “A extrema-direita desumaniza o tempo todo. Reumanizar é muito difícil.” O diálogo se fecha.
Por fim, ela aponta o papel das redes sociais, que proporcionaram uma espécie de “efeito bolha” nas eleições, cada qual falando para o seu grupo.
“Você tem como um muro virtual. A consequência é que você desaprende a dialogar. É uma lógica de desaprendizado democrático.”