O Brasil está histérico e o STF reagiu tarde ao estado de exceção
A crise envolvendo Supremo Tribunal Federal, Ministério Público Federal, Polícia Federal, imprensa e militares lembra uma frase de Shakespeare: “algo cheio de som e de fúria que nada significa”
Eduardo Maretti, RBA
A crise envolvendo Supremo Tribunal Federal, Ministério Público Federal, Polícia Federal, imprensa e militares lembra uma frase de Shakespeare: “algo cheio de som e de fúria que nada significa”. A associação é feita pelo jurista e constitucionalista Pedro Serrano.
Ele sintetiza a situação da seguinte maneira: primeiro, houve um vazamento irresponsável de informação por parte de autoridades desconhecidas; depois, abordagem leviana sobre essa informação (em matérias dos veículos Crusoé e O Antagonista); a seguir, atos do ministro Alexandre de Moraes, do STF, dando seguimento a inquérito aberto “de ofício” por Dias Toffoli, presidente da Corte.
Pela manhã, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão determinados pelo ministro Alexandre de Moraes mirando suspeitos de espalhar fake news contra membros do STF.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, arquivou o inquérito no âmbito da PGR. Segundo ela, “o ordenamento jurídico vigente não prevê a hipótese de o mesmo juiz que entende que um fato é criminoso determinar a instauração de investigação e designar o responsável por essa investigação”.
Por sua vez, Moraes rejeitou qualquer possibilidade de arquivar o inquérito no tribunal e Toffoli autorizou a prorrogação do prazo do processo por mais 90 dias.
Na opinião de Serrano, existe “uma histeria em torno de um fato que nada significa”. “É uma imensa histeria. O país está histérico. Há um exagero na matéria (publicada pelos sites) em relação ao que o documento informa. Ele não informa nada.” Apesar da leviandade da matéria, para Serrano, a proibição da reportagem pelo ministro do STF configura censura, e portanto é inconstitucional.
Para o advogado e ex-deputado federal Wadih Damous, a questão da censura é flagrante. “Não sei se já podemos falar em crise, mas estamos a caminho de uma. O que acho é que o Supremo acordou tarde no enfrentamento ao estado de exceção. Permitiu que a Lava Jato se transformasse num Estado policial, um Estado dentro do Estado, se curvou diante de Curitiba, e agora o enfrenta com as mesmas armas de arbítrio desse estado de exceção.”
Segundo a publicação “censurada”, Marcelo Odebrecht se dirige por e-mail a dois executivos, em 2007, perguntando: “Afinal, vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?” (em suposta referência a Toffoli, na época advogado-geral da União).
“O documento apenas diz que o advogado de uma empresa entrou em contato com um advogado do Estado, o que é muito comum no cotidiano. O advogado-geral da União está lá para atender advogados de empresas, é pago para isso, não tem nada de irregular. A matéria fugiu do mero jornalismo.” Marcelo Odebrecht não mencionou no documento divulgado qualquer ato que pudesse caracterizar corrupção, opina Serrano.
“A matéria incorre em um problema ético-jornalístico, mas não jurídico. Trata-se de um fato corriqueiro.” Além de tudo, aponta Serrano, foi um erro político do Supremo. “Acabou dando uma dimensão que o fato não teria.”
Damous diz que considera os dois sites envolvidos na polêmica “execráveis, mas, reitero, o que o Supremo está fazendo é censura”. Para ele, o enfrentamento ao Estado de exceção não deve ser conduzido com os mesmos instrumentos com que a Lava Jato combate a corrupção.
Formalmente, defende, não cabe ao juiz (no caso, Toffoli) agir de ofício, abrindo inquérito sem qualquer provocação. “Ele nomeou o relator (Moraes) e o relator está fazendo o que bem entende. Por mais que esse enfrentamento tenha que se dar, não pode ser da maneira que criticamos ao longo de todos esses anos.”
Nesta terça-feira (16), o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, também se manifestou no sentido de que houve censura na decisão de Alexandre de Moraes ao retirar as publicações do ar.
Para Serrano, parcelas da mídia, do Judiciário e do MP têm contribuído para essa histeria que ameaça a própria democracia. “Tem que se entender que isso vai liquidar com a democracia, vai acabar levando a um processo totalitário no país. As pessoas não estão tendo equilíbrio e moderação”, diz o jurista.
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