Redação Pragmatismo
Meio Ambiente 02/Ago/2019 às 16:17 COMENTÁRIOS
Meio Ambiente

Diretor do Inpe se recusa a mentir sobre desmatamento e é demitido

Publicado em 02 Ago, 2019 às 16h17

Por não ser picareta, diretor do Inpe é demitido pelo presidente Jair Bolsonaro. Ricardo Galvão foi exonerado porque se recusou a mentir sobre desmatamento

Bolsonaro Amazônia Inpe
(Reprodução/Redes Sociais)

Ricardo Magnus Osório Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi demitido do cargo nesta sexta-feira (2) pelo ministro Marcos Pontes, a mando do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Ricardo foi exonerado por simplesmente realizar o seu trabalho. Ele se recusou a mentir sobre o avanço do desmatamento no Brasil sob a gestão Bolsonaro.

O diretor tinha um mandato de quatro anos, mas o regimento prevê que ele pode ser substituído “em uma situação de perda de confiança”.

O órgão que Galvão comandava foi acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de mentir sobre os dados do desmatamento e agir a “serviço de alguma ONG”. Galvão rebateu as acusações e criticou falas e comportamento de Bolsonaro.

“Naturalmente, o embate que eu tive com o presidente tornou impossível para o ministro Marcos Pontes [Ciência e Tecnologia] me manter no cargo. Ele disse que tentou manter esforços e inclusive assumiu o compromisso de manter a linha de trabalho e colocar mais recursos”, revelou Galvão.

O diretor recebeu a notícia da própria exoneração em reunião na manhã desta sexta-feira (2). No início da tarde, Pontes elogiou Galvão. “Agradeço, pela dedicação e empenho do Ricardo Galvão à frente do Inpe. Tenho certeza que sua dedicação deixa um grande legado para a instituição e para o país”, escreveu o ministro em uma rede social.

Mais cedo, no pronunciamento em que anunciou sua própria demissão, Ricardo Galvão afirmou que não teve de “defender” os dados sobre desmatamento para o ministro.

“Frente ao ministro Pontes, eu não tive que defender nada. Ele concorda inteiramente com os dados do Inpe e sabe como são os dados do Inpe. O ministro é uma pessoa de alta capacidade técnica, um engenheiro”, disse Galvão.

Brasil corre riscos

Entidades que atuam na área ambiental vieram a público na tarde de hoje para lamentar a exoneração de Ricardo Galvão. “A exoneração de Ricardo Galvão é lamentável, mas era esperada”, afirmou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC). “Ele selou seu destino ao não se calar diante das acusações atrozes de Jair Bolsonaro ao Inpe.”

“Ao reagir, Galvão também preservou a transparência dos dados de desmatamento, ao chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade internacional para os ataques sórdidos, autoritários e mentirosos de Bolsonaro e Ricardo Salles à ciência do Inpe”, continuou o secretário do OC.

Ainda segundo Rittl, “a imagem do Brasil já está irremediavelmente comprometida por essa cruzada contra os fatos. Nos próximos meses, Bolsonaro e seu ministro do Ambiente descobrirão, do pior jeito, que não adianta matar o mensageiro, nem aparelhar o Inpe: a única maneira de evitar más notícias sobre o desmatamento é combatê-lo.”

Rogério Egewarth, diretor-financeiro da Associação Nacional de Servidores Ambientais (Ascema), afirmou que a exoneração é mais um episódio de “uma situação de desmanche e desqualificação das instituições que historicamente têm um papel importante dentro do estado brasileiro”.

Segundo ele, “são instituições técnicas que estão sendo desqualificadas por achismos ou mecanismos que simplesmente vão contra a lógica do Estado fazer o papel dele de forma correta e transparente, baseados em princípios legais”.

Egewarth ressaltou, ainda, que as críticas atuais do governo federal ao trabalho dos órgãos técnicos são uma forma de desviar a atenção pública para a consequência de manifestações do presidente Jair Bolsonaro desde sua eleição, como o anúncio de que ele iria acabar com a “festa” de multas do Ibama.

Para o diretor da Ascema, essas falas estimularam o aumento de crimes ambientais como o desmatamento, e a consequência deve atingir os empresários do agronegócio que atuam de maneira legal, mas devem ser prejudicados pela retaliação do mercado internacional.

“Estão querendo desviar o foco não só da sociedade, mas também do agronegócio, e jogar a responsabilidade em cima dos técnicos, como se a gente tivesse o direito de mentir sobre informações que historicamente foram públicas”, disse ele. “[Os outros países] vão taxar o produto e [o Brasil] vai perder competitividade. Quem vai pagar a conta é o agronegócio, que não tem nada a ver com o desmatamento.”

Demitido por ser competente

“O diretor do Inpe não foi demitido por incompetência. Está sendo demitido por sua extrema competência, altivez e por dirigir uma instituição de Estado que prima pelo interesse público e não se acovardou diante das ameaças da tríade (Ricardo Salles, General Augusto Heleno e Bolsonaro), que se levantou para intimidar e desmoralizar a instituição”, disse a ex-presidenciável Marina Silva (Rede).

“Tentaram sem êxito desacreditar o seríssimo trabalho de monitoramento do desmatamento da Amazônia feito pelo Inpe há mais de 30 anos e que virou a maior referência internacional no assunto. Sem conseguir apresentar nenhuma evidência técnica e nem científica, ficaram com frases toscar e vazias, eivadas de mentiras e preconceitos. Bolsonaro tenta destruir uma instituição de 50 anos de existência, tentando impor a lei da mordaça e do autoritarismo”, concluiu Marina.

Aumento do desmatamento

Os alertas do desmatamento no Brasil registraram alta de 88% em junho e de 212% em julho, segundo análise feita com base em dados do públicos do Inpe, que foram compilados pelo sistema conhecido como Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter). Os percentuais levam em conta a comparação de junho e julho com os mesmos meses do ano passado.

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