Mãe de Cazuza repudia ataque de Bolsonaro a portadores de HIV
"Piedade, senhor, piedade". Ataque do presidente Jair Bolsonaro a pessoas portadoras de HIV gera onda de repúdio nacional
Na última quarta-feira (5), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pessoas portadoras do vírus HIV, transmissor da Aids, são “uma despesa para todos no Brasil”, além de um “problema sério” para a própria pessoa.
Lucinha Araújo, diretora da Fundação Viva Cazuza, que cuida de crianças portadoras do HIV, repudiou a fala do mandatário:
“É dever do Estado cuidar da saúde de todos, sem discriminação da doença que o acometeu. Há 30 anos a Viva Cazuza trabalha para preservar os direitos dos portadores do HIV e tem como princípio o combate a qualquer tipo de discriminação e a liberdade. Aproveito para citar Cazuza ‘vamos pedir piedade, senhor piedade, pra essa gente careta e covarde, lhes dê grandeza e um pouco de coragem’”.
Bolsonaro fez o comentário enquanto falava sobe uma história contada pelo jornalista Alexandre Garcia. “A mulher dele [Garcia], que é obstetra, atendeu uma paciente que começou com o primeiro filho com 12 anos de idade. Outro com 15, e no terceiro, ela já estava com HIV”, disse o presidente.
A declaração foi ao defender a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) por propôr a política de abstinência sexual para jovens e adolescentes.
#Eunãosoudespesa
Pessoas que vivem com HIV utilizaram a hashtag #EuNãoSouDespesa para criticar declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre o tema.
A afirmação do presidente gerou repercussão em outras entidades que defendem pessoas que vivem com HIV. Coletivos ligados ao tema classificaram a declaração como “desrespeitosa, superficial e preconceituosa”.
Por meio da hashtag, diversas pessoas criticaram duramente a declaração de Bolsonaro. “Eu me senti profundamente ofendido. Não bastasse ele ter dito anteriormente que o Estado não deveria arcar com o tratamento de quem contrai o vírus ‘na bandalheira’, agora ele nos taxa como meras despesas de governo”, afirma Beto Volpe, de 58 anos.
Nas redes, Beto, que vive com o HIV há mais de 30 anos, adotou a mensagem “eu não sou despesa” e citou que paga impostos há 43 anos. “Será que ele pensa o mesmo das pessoas com câncer, cardiopatias e outras patologias?”, questiona.
HIV no Brasil
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2018 foram registrados 43,9 mil novos casos de HIV no Brasil — dado mais recente. Naquele ano, a pasta estimava que 866 mil pessoas viviam com o vírus no país. Além disso, o ministério estima que outras 135 mil pessoas vivem com o vírus no Brasil, mas não sabem disso.
Segundo o boletim epidemiológico HIV/Aids 2019, de 2007 a junho do ano passado foram notificados 300.496 novos casos de infecção pelo HIV no país. O Ministério da Saúde informa que o número de mortes por aids, doença que o paciente com HIV pode desenvolver, caiu em 22,8% nos últimos cinco anos — de 12,5 mil em 2014 para 10,9 mil em 2018.
Especialistas apontam que o tratamento no Brasil é considerado um exemplo para todo o mundo, pois os medicamentos são distribuídos pela rede pública e há acompanhamento específico para esses pacientes.
Um estudo do Ministério da Saúde, divulgado em 2019, apontou que o país mais que dobrou o tempo de sobrevida das pessoas com o vírus, em razão do tratamento adequado.
Desde 1996, o país garante o tratamento universal e gratuito por meio do SUS. No ano passado, segundo o portal da Transparência, o governo utilizou R$ 1,8 bilhão na compra de remédios para pacientes com HIV.
Em 2017, por exemplo, segundo um estudo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o SUS utilizou R$ 4,5 bilhões para tratamentos contra o câncer.