Coronavírus: com 6% dos casos no mundo, Nova York se prepara para "cenário sombrio"
Nova York deixou de ser "a cidade que nunca dorme" para se tornar um epicentro silencioso e irreconhecível da pandemia do coronavírus nos Estados Unidos. E o pior ainda está por vir
BBC News
Paralisada pelo rápido avanço do coronavírus, Nova York deixou de ser “a cidade que nunca dorme” para se tornar um epicentro silencioso e irreconhecível da pandemia nos Estados Unidos, esperando pelo pior.
O número de casos confirmados de Covid-19, a doença causada pelo vírus, no Estado de Nova York subiu para 25 mil na última terça-feira (24 de março), quase metade dos registrados nos EUA e 5,6% do total mundial.
Seis em cada dez pessoas infectadas estão na cidade de Nova York, que tem 40% a mais de casos per capita do que a Itália, o país com mais mortes pelo vírus e o segundo com o maior número de infecções registradas após a China.
O governo do Estado aumentou gradualmente as restrições para diminuir a onda de contágio, com o fechamento de escolas, restaurantes e outras lojas, e pediu à população local que ficasse em casa.
Essas medidas esvaziaram e silenciaram as ruas da cidade dos arranha-céus, mas ainda parecem estar longe de atingir seu objetivo, enquanto as autoridades alertam que as perspectivas são sombrias.
“Será ruim esta semana, será pior na próxima semana, temos que ser honestos sobre isso: é apenas o começo”, disse o prefeito Bill de Blasio à rede de TV CNN na segunda-feira.
Mas por que Nova York chegou a essa situação?
O aumento repentino de casos confirmados de coronavírus em Nova York se deve tanto à alta taxa de disseminação da infecção quanto a um salto significativo nos testes para detectá-la.
O número de pessoas testadas diariamente para o vírus em Nova York aumentou de mil para 16 mil nos últimos 10 dias, depois que o Estado foi autorizado pelo governo federal a realizar os testes por conta própria, disse o governador Andrew Cuomo na segunda-feira.
Autoridades de Nova York ordenaram o fechamento de lojas não essenciais e pediram a pessoas que evitassem sair de casa.
Ele acrescentou que a atual taxa de testes em Nova York é a mais alta dos Estados Unidos e supera, per capita, a taxa da Coreia do Sul.
O país asiático é considerado um caso bem-sucedido de contenção de vírus por meio de testes maciços, que permitiram a detecção e o isolamento precoces dos infectadas.
Por outro lado, especialistas apontam que a cidade de Nova York – com mais de 12.330 casos confirmados na segunda-feira – tem características que promovem uma propagação mais rápida do vírus do que em outras partes do país.
Por exemplo, os 8,6 milhões de nova-iorquinos fazem desta a metrópole dos EUA a maior em termos de densidade populacional: mais de 10 mil pessoas por km².
“Os problemas que enfrentamos não são únicos”, mas “são amplificados em Nova York devido à alta densidade populacional: vivemos um sobre o outro”, diz Theodora Hatziioannou, professora associada de virologia da Universidade Rockefeller, em Manhattan, à BBC News Mundo.
“É o ambiente perfeito para um vírus que é muito fácil de espalhar”, acrescenta.
Além disso, Nova York é uma cidade diversa e altamente conectada ao mundo, com milhares de pessoas que frequentemente chegam todos os dias de diferentes regiões.
“Nova York está no epicentro porque somos um centro internacional e, obviamente, havia muitas pessoas infectadas que viajaram nas últimas semanas. Essas pessoas infectadas continuavam a vir para cá até que os voos de países fortemente afetados foram proibidos”, diz Robyn Gershon, professor de epidemiologia na Escola de Saúde Pública Global da Universidade de Nova York.
A nova batalha
Especialistas acreditam que Nova York também sofreu mais devido a um atraso na detecção da progressão do vírus e à demora na tomada das medidas necessárias a tempo.
De fato, outros Estados dos EUA fecharam suas escolas por causa do vírus antes de Nova York, e o governador Cuomo anunciou as medidas mais severas no último domingo. Ele determinou que trabalhadores não essenciais fiquem em casa e proibiu aglomerações públicas.
O próprio Cuomo admitiu na segunda-feira que essas medidas de “controle de densidade” eram insuficientes e pediu ao prefeito um plano para impor mais limitações, especialmente para jovens e em parques que tiveram um fluxo significativo de visitantes no fim de semana.
A principal autoridade médica dos EUA, o cirurgião-geral Jerome Adams, observou, inclusive, que “Nova York está se aproximando da Itália”, um país que reagiu tarde, na opinião de especialistas.
“Os números dos casos que vemos agora refletem o que aconteceu há duas semanas. Muitas pessoas estão esperando demais para tomar medidas sérias nesses próximos 15 dias que interrompam a disseminação”, disse Adams na segunda-feira na rede de TV CBS.
O governador e o prefeito de Nova York pediram mais ajuda de Washington, por exemplo, para forçar fábricas a produzir máscaras faciais e respiradores, que estão se tornando escassos.
De Blasio argumentou que, sem esse equipamento crítico, o sistema de saúde será incapaz de manter vivas pessoas que, de outra forma, sobreviveriam.
Cuomo anunciou que determinaria que hospitais estaduais aumentassem sua capacidade para receber pessoas infectadas com coronavírus em 50% , enquanto integrantes do Exército e da Guarda Nacional ajudarão a instalar mais leitos nos hospitais.
No entanto, o presidente dos EUA, Donald Trump, vem evitando até agora forçar as fábricas a produzir certos bens como em tempos de guerra e indicou que “em breve” espera que o país retome a atividade econômica.
“Não podemos deixar que o remédio seja pior que a doença”, tuitou Trump na segunda-feira, referindo-se ao desgaste causado sobre a economia pelas medidas sanitárias.
Em vez disso, os especialistas recomendam o caminho oposto, especialmente para Nova York.
“A menos que haja acesso a uma enorme quantidade de testes para começar a testar todos … o distanciamento social é a única medida que temos para tentar conter a epidemia”, diz Hatziioannou.
Segundo ela, o vírus provavelmente está em Nova York desde janeiro e a falta de testes disponíveis impedia que ele fosse detectado e que se determinasse a rapidez com que estava se espalhando.
“A lição é limitar o contato com pessoas que potencialmente podem estar infectadas: a melhor maneira de fazer isso é testando rapidamente casos suspeitos e forçando o auto-isolamento das pessoas infectadas, se elas não exigirem hospitalizações”, diz Gershon.
“Se elas exigirem hospitalização”, acrescenta, “devem permanecer isoladas ali”.