Políticas de informação em tempos de pandemia e pós-pandemia
As políticas de informação, além de uma preocupação com a realidade do coronavírus, alertam para as desigualdades sociais decorrentes da pandemia e de como combatê-las
Jonathas Carvalho*, Pragmatismo Político
Quando lidamos com o paradoxo entre o incessante ato de buscar informação e de que muito conteúdo pode interferir negativamente na construção da informação, urge a premência de se pensar políticas de informação que implicam no conjunto de ações (regras, leis, normas, princípios e diretrizes), idealizada por meio de programas, planos, projetos, eventos, qualificações, criações de serviços e produtos com o intuito de regular, por um lado, a garantia do direito à informação a quaisquer indivíduos em quaisquer assuntos e, por outro lado, de auxiliar a sociedade nas tomadas de decisão, melhorias nos processos de comunicação, solução de problemas e produção de novos conhecimentos empreendida em cooperação pelo Estado e outros atores da sociedade civil (iniciativa privada, mídia, terceiro setor, movimentos sociais, especialistas etc.).
Em tempos de globalização nunca precisamos tanto de políticas de informação; em tempos de pandemia nunca precisamos tanto de informação para compreensão humanizada da realidade. E por quais motivos?
Em primeiro lugar, em face de que parte ainda considerável da população não possui acesso à informação qualificada (por instituições de credibilidade), seja por falta de acesso as tecnologias de informação, seja por falta de conhecimento de onde buscar. Conforme a União Internacional de Telecomunicações (UIT), o Brasil ocupava em 2015 o 61º lugar no acesso às tecnologias da informação, ante a 73ª posição no ano de 2010, o que revela melhoria, mas distância ainda significativa se comparada as nações mais desenvolvidas. Em segundo lugar, por termos uma enxurrada de conteúdos, principalmente via internet, que muitas vezes em vez de esclarecer, confundem nossas mentes (muito conteúdo não necessariamente é informação). Em terceiro lugar, em virtude de muitos conteúdos produzidos/difundidos carecerem de fontes confiáveis (por exemplo, organizações técnico-científicas, políticas e/ou midiáticas respeitadas). Em quarto lugar, pela massificação das fake news como atividade de desinformação que se aproveita da fragilidade de convenções éticas nos ambientes virtuais, afirmando as percepções do senso comum (ideológicas, crenças e valores em geral) em detrimento do conhecimento científico.
Diante dos motivos elencados, nunca foi tão relevante a acuidade do Estado e de setores da sociedade brasileira sobre a construção de políticas de informação para amparar a sociedade de modo claro e didático sobre as diversas questões da realidade, incluindo a pandemia provocada pelo coronavírus ou COVID-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019).
As políticas de informação trazem mais capacidade entre Estado e sociedade em termos de “informar” (quem informa para quem), se informar (quem busca informação onde) e “ser informado” (quem recebe informação onde). As políticas de informação para o combate ao coronavírus envolve duas atividades: temáticas (aquelas questões que devem ser fundantes para a qualificação da informação em massa) e técnicas (criação de serviços, produtos e processos que embasam as questões temáticas). Quais possíveis atividades passíveis de realização para tornar a sociedade brasileira mais consistente em termos de informação em tempos de pandemia e pós-pandemia?
Temáticas
1 — Fundamentos legislativos – criação de leis e dispositivos legais para garantir informação a sociedade sobre quaisquer questões relacionadas a doença e de seus impactos como período de calamidade pública, recebimento de subsídios financeiros e ações governamentais e públicas em geral, considerando que todo e qualquer cidadão deve ter direito à informação em consonância com a Lei de Acesso à Informação;
2 — Ampliação da transparência – informes oficiais com o máximo de fidedignidade possível das autoridades competentes sobre a realidade em níveis municipais, estaduais e federal;
3 — Ampliar as políticas de inclusão digital – buscar chegar em comunidades que ainda pouco ou sequer dispõem dos meios de acesso à informação mais basilares, visando oferecer informação qualificada para lidar com a doença ou quaisquer assuntos correlatos;
4 — Aprimoramento do sistema de comunicação e informação entre esferas federais, estaduais, municipais, além de executivo, legislativo e judiciário – criação de canais mais técnicos e menos ideológicos sobre o que cada um vem fazendo, importando, adaptando e qualificando as melhores ações e corrigindo as mais deficitárias;
5 — Cooperação com meios de comunicação de massa e alternativos – maiores investimentos em publicidade, propaganda junto a televisão, rádio, jornais, revistas e outras mídias;
6 — Cooperações com ambientes de informação físicos e virtuais como centros de cultura, centros de documentação, arquivos, bibliotecas, museus e ambientes virtuais de aprendizagem para que possam fornecer a difusão de serviços e produtos de informação sobre a realidade;
7 — Promover a liberdade de informação e combater as fake news – é preciso valorizar meios institucionais que partilham informações sistematizadas e convergentes com recomendações de organizações respeitadas como Organização Mundial da Saúde (OMS), associações científicas e profissionais de saúde etc. e ao mesmo tempo combater as fake news com sanções em quaisquer níveis (econômicas ou de conteúdos);
8 — Valorizar a informação no contexto técnico da saúde – promover um sistema de gerenciamento da informação e do conhecimento na saúde no âmbito do Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais de saúde e das instituições gerais de saúde (hospitais, clínicas, postos etc.);
9 — Valorizar a informação no contexto cotidiano da saúde – promover informação sobre prevenções, sobre sintomas, assim como sobre quais, quando, onde e como procurar órgãos de saúde em caso de sintomas (valorizar a informação de utilidade pública);
10 — Valorizar as informações provindas dos meios técnico-científicos – promover a difusão do livre acesso ao conhecimento científico, tornar didático os conhecimentos científicos produzidos a fim de que sejam mais facilmente interpretados pela sociedade, estímulo à inclusão digital baseada nos conhecimentos científicos produzidos sobre a realidade direta ou indireta relacionada a pandemia;
11 — Valorização da informação em geral – promover um sistema de gerenciamento da informação e do conhecimento nos mais diversos ministérios, secretarias e instituições públicas para combate a pandemia e vislumbre da pós-pandemia;
12 — Informação como fomento ao empreendedorismo – munir a sociedade de informações institucionais e consistentes sobre possibilidades de criação de novos serviços, produtos e atividades comerciais, empresariais, industriais e profissionais em geral para manutenção do desenvolvimento econômico;
13 — Informação como fomento à inovação – munir a sociedade de informações institucionais e consistentes sobre atividades de criação e inovação científica, tecnológica, profissional, empresarial etc. realizadas dos níveis locais aos globais para enfrentamento da pandemia e superação da crise.
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Técnicas
1 — Criação/prestação de serviços de informação – serviço de referência e informação (distribuição de materiais e acervos sobre a doença); serviço de informação utilitária (informações sobre diversas questões relacionadas a pandemia nos contextos da saúde, educação, economia, política, meio ambiente, turismo, convivência e de utilidade pública em geral); disseminação seletiva de informação (reunir grupos com interesses comuns e divulgar informações atinentes a seus interesses); newsletter; alertas, entre outros;
2 — Criação/prestação de produtos de informação – criação, organização e difusão de materiais como livros, artigos, cartilhas, manuais, guias, tutoriais; desenvolvimento/disponibilização/difusão de aplicativos e softwares existentes em todo o mundo que esclareçam sobre a pandemia e a realidade em geral; criação/disponibilização de produtos que informem sobre como produzir máscaras, álcool gel, bem como sobre os modos de convivência entre as pessoas;
3 — Eventos – realização de eventos profissionais, organizacionais, culturais, educacionais, religiosos etc. gratuitos ou a baixo custo em nível virtual nas mais diversas áreas como alternativa de reflexão/proposição de enfrentamento a realidade;
4 — Formações – realização de cursos formais e informais de curta, média ou longa duração gratuitos ou a baixo custo em nível virtual nas mais diversas áreas do conhecimento e de atuação laboral como alternativa de reflexão/proposição de enfrentamento a realidade;
5 — Criação de ações de informação – ações cooperativas de intervenção e interferência como a disponibilização de indivíduos e instituições especializadas para explicar sobre as diversas questões que norteiam a realidade, visando facilitar a compreensão e os horizontes em curto, médio e longo prazos da pandemia; desenvolvimento de serviços, produtos e ações entre profissionais especializados da saúde, educação, economia, políticas etc. sobre a realidade da pandemia, assim como de estratégias para o empreendedorismo em diversos setores durante e pós-pandemia; e proposições de ações solidárias entre segmentos sociais e a sociedade em geral, principalmente setores mais vulneráveis.
As políticas de informação, além de uma preocupação com a realidade do coronavírus, alertam para as desigualdades sociais decorrentes da pandemia e de como combatê-las. As políticas de informação buscam criar estratégias temáticas e técnicas para auxiliar e mediar junto à sociedade sobre os diversos fatores eclodidos e reverberam a premência de superar as desigualdades historicamente produzidas. As políticas de informação buscam fortalecer o Estado em termos de informações oficiais e da sociedade sobre como pode “informar”, “se informar” e “ser informada” a fim de enfrentar crises com o máximo de possibilidades de compreensões possíveis.
Para o êxito das políticas de informação em tempos de pandemia e pós-pandemia é fundante que os governos em suas estruturas internas (órgãos dos próprios governos) e externas (governos entre si) estejam coerentes, de modo que as atividades informativas tenham como epicentro o bem-estar social, combinando desenvolvimento humano e econômico. É o momento da coalizão de governos, iniciativa privada, segmentos sociais e indivíduos em geral pensarem a informação como ato de cooperação e solidariedade, especialmente considerando o público mais vulnerável. Do contrário, prevalecerá a antipolítica do desinformar em detrimento da política de informar, arrefecendo ainda mais os mecanismos de controle e combate.
Uma sociedade em termos de produção/organização/difusão/acesso/uso de informação e de tecnologias de informação por meio políticas de informação caminha para uma sociedade desenvolvida humana e economicamente e neste aspecto o Brasil ainda precisa estabelecer uma cultura política sólida. As políticas de informação, especialmente em um momento de pandemia, presumem que informação como prevenção não é um ato substancialmente ideológico, mas humanitário e, sobretudo, empático.
Portanto, a informação é a melhor estratégia de prevenção. Porém, não é qualquer informação, mas aquela que seja produzida sistematicamente em termos de políticas públicas com intuito orientativo e assertivo por autoridades competentes, por especialistas, por segmentos sociais e indivíduos conscientes que buscam de modo combinado o desenvolvimento social, econômico, de saúde e do bem-estar em geral que prime pela finalidade de controlar/salvar ao máximo a sociedade da pandemia e simultaneamente projetar o pós-pandemia. Em síntese, as políticas de informação estruturam o conjunto de atividades para elucidar, nortear e compreender as relações temporais entre pré-pandemia e pandemia para vislumbrar a pós-pandemia de modo mais alvissareiro.
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*Jonathas Carvalho é doutor em Ciência da Informação pela UFBA e Professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA)
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