Enquanto o presidente está em Nárnia, nos resta a distopia
Jorge Silva de Andrade*, Pragmatismo Político
Imerso em um mundo de lógicas e razões próprias, o Clã Bolsonaro demonstra, a cada dia, a validade da Literatura para a compreensão de nossos tempos. A começar pelo mundo encantado de Nárnia, onde uma Rainha Louca e sem Bic comanda de maneira perversa, congelando e matando todos os que se opõem a sua vontade, Jair Bolsonaro tenta impor suas ideias, mas se esquece que, ao menos no Brasil, existem outras instâncias de poder, capazes de regular suas ações.
No entanto, como se não bastasse, a familícia transita de maneira irresponsável de uma obra para outra, ou seja, ao passo que se encontra em um mundo imaginário onde o coronavírus não existe, também tenta forjar suas próprias verdades, a partir de manipulações, mentiras e doutrinações conspiracionistas, à semelhança do Ministério da Verdade, presente no livro 1984 de George Orwell, onde o Grande Irmão supervisiona as ações da sociedade em questão, condicionando o certo e errado, bem como o faz, ou pelo menos tenta fazer, o guru do Desgoverno, via redes sociais.
Como se não bastasse, negligencia os ensinamentos passados por Esopo (Nessebar, 620 a.c. – Delfos, 564 a.c.), em sua fábula “O Pastor Mentiroso e o Lobo”, onde um garoto, após mentiras sucessivas, perde o respeito da comunidade em que vive, até o dia em que o Lobo finalmente ataca o seu rebanho de Ovelhas, contudo, nenhum camponês se prontifica a ajudá-lo, pensando ser mais uma de suas mentiras. Desse modo, não é difícil imaginar o motivo do descrédito presidencial, inclusive pelos de sua própria base, afinal de contas, “Na boca do mentiroso, o certo é duvidoso”.
Outra tentativa que obteve relativo êxito, mas que aos poucos vai perdendo a sua efetividade, é semelhante ao que observamos no Fahrenheit 451 de Ray Bradbury, onde todos os livros são queimados e os conhecimentos obtidos através da ciência, estudos e pesquisa, são condenados pelo Estado, em detrimento de uma concepção anti-intelectual e pouquíssimo afeita a crítica.
No entanto, esta obra, rica em detalhes, ainda conta com mais uma contribuição para a nossa análise, pois recentemente, o desgoverno criou um canal próprio, intitulado “TV Bolsonaro”, a fim de transmitir apenas o que lhe convém, desde entrevistas, até “pareceres” de “profissionais” que supostamente não estão submetidos ao “Comunismo”.
Desse modo, assim como na sociedade imaginada por Ray Bradbury, a televisão e/ou mídias audiovisuais, através de um controle excessivo de sua programação, são capazes de doutrinar as pessoas para que aceitem o governo. Sendo assim, por meio de uma repetição incessante de seus postulados, seguem, não por acaso, os conselhos de Joseph Goebbels: “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.
Restam-nos, ainda, alguns questionamentos, seria este o último suspiro antes do fim? Ou ainda teremos novos desafios? Seria a cloroquina de Bolsonaro, uma espécie de “Soma”, retratada na obra de Aldous Huxley? O Ministro da Saúde que assumir, será a favor dessa ideologia, contaminada de distopias, ou prezará pela Saúde pública? Ainda é muito cedo para respondermos a estes questionamentos, no entanto, conhecer a Literatura, especialmente a despótica, fornece ótimos subsídios para lidar com a realidade em que vivemos.
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*Jorge Silva de Andrade é historiador, formado pela UNESP, mesma instituição onde cursa o Mestrado em História e Cultura Social. Extremamente afeito à Literatura distópica, tenta pensar o mundo através das óticas propostas por tais personagens.