Cinthia Filomeno
Colunista
Cultura 27/Mai/2020 às 13:57 COMENTÁRIOS
Cultura

As Mulheres no Samba

Cinthia Filomeno Cinthia Filomeno
Publicado em 27 Mai, 2020 às 13h57

O samba sempre falou e cantou as injustiças sociais, a vida nos morros e nas periferias, a alegria e a resistência de quem tinha pouco dinheiro e pouca sorte e, as mulheres, seguiram essa tradição.

mulheres no samba Dona Ivone Lara Maria Bethânia Gal Costa
Dona Ivone Lara com Maria Bethânia e Gal Costa (Imagem: acervo da família)

Cinthia Filomeno*

Hoje, escolhi falar do papel da mulher no universo do samba, porque a mulher sempre foi muito importante, porém, muito descartada como personagem que soma e que é essencial na comunidade.

Por muito tempo, as mulheres não tiveram “vez” no samba. Não estou falando da importância, mas sim do espaço. Não que não estivessem lá, mas as rodas de samba, as composições, o palco e o sucesso eram territórios dominados por homens.

O samba sempre falou e cantou as injustiças sociais, a vida nos morros e nas periferias, a alegria e a resistência de quem tinha pouco dinheiro e pouca sorte e, as mulheres, seguiram essa tradição.

Desde que surgiram os primeiros batuques do samba, a presença feminina foi essencial para que essa cultura se perpetuasse. Com a vinda das “tias baianas” para o Rio de Janeiro, o samba ganhou o acolhimento de que precisava para sair da “marginalidade”.

Tia Ciata, era a responsável por permitir que o samba fosse tocado sem a presença da repressão policial, porque segundo relatos, isso só era possível por causa de seus conhecimentos em ervas medicinais, que ela ajudou a curar a doença do presidente da República na época. Como agradecimento, ela teria conseguido a “licença” para seguir com o batuque em seu quintal.

De forma geral, a mulher também era a autoridade religiosa que abençoava os terreiros e os primeiros encontros entre os músicos. Eram elas também que cozinhavam as comidas para alimentar os compositores. Tradição que até hoje se vivencia nas quadras das agremiações e em praticamente todas as rodas, que acontecem nas quadras das escolas de samba do país.

Mas a visibilidade da mulher só ganhou notoriedade quando ela surgiu como musa inspiradora de grandes poesias que se tornaram clássicas canções. Pelo prazer de amar ou pela dor de serem traídos, os sambistas imortalizaram as suas paixões.

Ao longo da história, o samba se tornou a cultura mais importante do país. As mulheres evoluíram nos seus papéis dentro da comunidade, atuando de diversas formas. Fosse como pastoras, baianas, passistas, madrinhas, carnavalescas, porta-estandartes, intérpretes e operárias do samba, na produção das fantasias nas escolas. Essas mulheres formaram um painel de cores, sentimentos e sons da expressão dessa cultura.

Com a criação das escolas de samba, a gente pôde observar um painel bem diversificado da presença feminina, realçando a beleza e a força de algumas mulheres que se tornaram grandes referências para as próximas gerações.

Uma dessas mulheres em especial, surgiu nesse cenário para não somente mudar a própria história, como também, para transformar definitivamente o papel da mulher no samba: Dona Ivone Lara.

De origem humilde e com formação musical sofisticada, ela sempre se destacou como grande musicista. Mas, como no mundo do samba a situação da mulher não era nada fácil, para romper o padrão, Dona Ivone teve de enfrentar o machismo das rodas e a repressão do próprio marido para conciliar a vida profissional de enfermeira com a de sambista, para finalmente, ser consagrada como a grande dama do samba brasileiro.

Ao se tornar a primeira compositora de sambas-enredo, ela rompeu com a tradição de que a mulher apenas fazia parte do coro, e ganhou projeção e respeito no mundo do samba. Com presença e competência, mostrou suas composições – e sua voz – que até hoje é um dos registros mais marcantes da nossa música.

Dona Ivone Lara abriu o caminho para que a mulher conquistasse oportunidades na ala de compositores e, com isso, alcançar espaço e sucesso no mercado da música. Ela fez da música o seu reinado, deixando um legado extremamente importante.

Como mulher, Dona Ivone jamais se restringiu a um papel imposto ou a um lugar pré-determinado. Foi à luta, criou a própria oportunidade e se imortalizou com a sua arte.

*Cinthia Filomeno é artista visual, pós-graduada em Fundamentos da Cultura e das Artes pelo Instituto de Artes da UNESP, escritora e pesquisadora do samba, e autora do livro Samba: Uma Cultura Popular Brasileira.

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