A culpa é do professor?
Qual projeto de educação e de sociedade é favorecido ao se colocar todos os professores em um mesmo saco de estopa, já velho e rasgado?
(Imagem: Pillar Pedreira | Ag. Senado)
Paulo Ricardo Moura da Silva*
A culpa é do professor que não sabe dar aula… A culpa é do professor que não tem formação adequada… A culpa é do professor que não ouve os alunos… A culpa é do professor que não põe ordem na sala… A culpa é do professor que não entende nada de tecnologia… A culpa é do professor que não quer trabalhar… A culpa é do professor?
O dedo apontado para acusar o professor da educação básica vem de alunos, pais, gestores, professores universitários e pesquisadores, políticos, jornalistas, usuários de redes sociais e de pessoas que apenas estão batendo um papo. Desse modo, discutir educação (escolar) parece se restringir única e exclusivamente à ação medíocre de um professor em sala de aula, de maneira a generalizar esta ação como a tendência educacional do país.
A representação/imagem do professor da educação básica que é criada por meio destes discursos acusatórios parece ser de uma pessoa incapaz de exercer sua profissão, descomprometida, desatualizada, autoritária, de conhecimentos superficiais, inclusive no que se refere à sua própria disciplina. Se o problema da escola é o professor miserável, restaria a sombra da possibilidade de um dia se propor cortar o mal pela raiz. A pergunta que faço, enquanto professor de educação básica, é: a quem interessa que o professor seja visto socialmente desta forma tão deplorável?
Qual projeto de educação e de sociedade é favorecido ao se colocar todos os professores em um mesmo saco de estopa, já velho e rasgado?
Responsabilizar o indivíduo pelo sucesso ou pelo fracasso de uma situação é uma perspectiva neoliberal. No caso da culpabilização do professor, muitos trabalhos acadêmicos, inclusive, parecem adotar este ponto de vista neoliberal, ainda que não o reconheçam explicitamente e indiquem outros fatores para esta questão, mas, no final, o que fica ressoando é o dedo em riste para o professor da educação básica.
Não acredito que os pesquisadores universitários que acusam o professor (porque não são todos que adotam esta posição) o façam de modo consciente, o que é pior, porque a perspectiva assumida parece estar naturalizada e, portanto, falta um olhar crítico que possa desconstruí-la.
A sala de aula não é um mundo paralelo, ao contrário, é transpassada por muitos discursos, ações e instituições sociais que não estão materialmente presentes no espaço da sala de aula e que constituem uma rede de relações de poder, que pautam o trabalho docente.
Gostaria de destacar três aspectos desta rede: o Estado, sobretudo ao elaborar legislações e políticas públicas para o âmbito escolar ou se ausentar de suas determinações, a Universidade, responsável, em grande medida, pela formação de professores e pela pesquisa em educação, e a própria Escola, enquanto uma instituição social com uma organização político-pedagógica e uma história própria.
Proponho que ao invés do olhar inquisidor que se coloca de fora para dentro da sala de aula, possamos, em um movimento de via de mão dupla, olhar também de dentro para fora dos limites da sala de aula, na busca por compreender as causas e as condições que possibilitaram que a prática docente seja de um determinado modo, de maneira a observar criticamente a rede de relações de poder que ultrapassam o indivíduo-professor, porque são de ordem social, política, econômica e histórica.
É preciso que se considere que o professor faz escolhas, mas suas condições precárias de trabalho, a infraestrutura da escola, as hierarquias administrativas e as determinações políticas das Secretarias da Educação e do Ministério da Educação são aspectos que podem contribuir para que o professor não tenha total autonomia sob sua própria prática pedagógica.
Com isso, não quero dizer que nós, professores da educação básica, não tenhamos nenhuma responsabilidade sobre a atual situação da educação brasileira (até porque da nossa parte da responsabilidade somos constantemente lembrados), mas também não somos os únicos que precisam se responsabilizar, ou será que nós, professores, estamos sozinhos na luta pelas transformações que são necessárias no âmbito educacional?
Não somos super-heróis, salvadores da pátria ou coisa do tipo, somos mulheres e homens, jovens e adultos, feitos de carne e osso, sonhos e angústias e precisamos de todos e todas para assumir conosco a responsabilidade pela educação pública, gratuita e de qualidade desse país.
*Paulo Ricardo Moura da Silva é Prof. de Língua Portuguesa do IFMG/Ouro Preto.