Professores assediam alunas em escolas tradicionais do Rio de Janeiro
Professores assediam alunas em duas escolas tradicionais do Rio de Janeiro, uma judaica e outra católica, ambas da Zona Sul. Instituições demitiram os profissionais antes que as denúncias ganhassem a imprensa. Vítimas contam detalhes
Lauro Neto, Universa
Duas escolas tradicionais cariocas, uma judaica e outra católica, demitiram professores após denúncias de assédio sexual virem à tona no Twitter. O Colégio Liessin e o Colégio São Vicente de Paulo, ambos na zona sul do Rio de Janeiro, demitiram um professor cada uma, de forma rápida e preventiva, para evitar que os casos ganhassem a mesma repercussão negativa do Colégio Santo Inácio, que afastou dois docentes acusados de assédio sexual por ex-alunas só depois que as denúncias chegaram à imprensa.
No dia 26 de junho, o Colégio Força Máxima, que tem 11 unidades em sete municípios do Rio de Janeiro, demitiu quatro professores pelo mesmo motivo. O Ministério Público investiga o caso.
A 10ª Delegacia de Polícia também tem um inquérito em andamento sobre denúncias no Colégio Santo Inácio. Jonathan Pache, dono do Colégio Força Máxima, confirmou a demissão de mais dois professores, acusados de assédio por ex-alunas. Com isso, já são quatro colégios do Rio que aplicaram algum tipo de punição a pelo menos dez docentes.
No Colégio São Vicente de Paulo (CSVP), a orientação educacional confirmou que, durante uma reunião virtual com a direção, alunas do ensino médio relataram medo sobre acusações de assédio sexual contra um professor, que foram veiculadas no Twitter.
Uma publicação na página “exposed professores” dizia: “Somos alunas do 2º ano do CSVP. Diante das diversas acusações de assédio que foram feitas sobre ele, gostaríamos de reunir mais relatos de alunas para que possamos entregar à coordenação e algo seja feito a respeito”. Dois dias depois, um tuíte alertava “Importante: a situação com esse professor pelo visto já foi resolvida”.
A resolução foi a demissão do professor. Segundo o setor de orientação educacional do CSVP, as denúncias de assédio seriam referentes a outro colégio em que o docente dava aulas.
“O nome desse professor constava em relatos de redes sociais, mas nenhum deles ocorrido dentro do CSVP. Nossas alunas relataram que estavam se sentindo constrangidas porque outras adolescentes denunciaram a hipótese de ele ser um potencial assediador. Elas alegaram desconforto com isso. Assim, se decidiu pela demissão do professor “, informou a escola, acrescentando que faz um trabalho extensivo sobre temas como feminismo, masculinidade tóxica e cancelamentos virtuais.
Inicialmente, o setor de Coordenação Comunitária do CSVP havia informado que o professor foi demitido por motivos pedagógicos. No entanto, quando questionada a respeito de denúncias de assédio sexual e da data em que ocorreu a demissão, a diretoria da escola encaminhou a seguinte nota por e-mail: “O CSVP, por princípio, não discute nem comenta questões relacionadas à forma como conduz seus processos admissionais e demissionais.”
Já o Colégio Liessin foi mais transparente. No dia 19 de junho, a direção da escola informou à reportagem o afastamento temporário de um professor após denúncias de assédio sexual, que também vieram à tona no Twitter. Uma semana depois, confirmou a demissão do docente.
“O nosso colégio repudia todo possível caso de assédio, e já abriu procedimento interno para a correta apuração dos fatos e denúncias ventilados em redes sociais”, diz a nota enviada pela escola. “Não obstante a utilização dos meios usuais de relacionamento com os alunos, criamos também um canal direto de e-mail sigiloso, justamente para permitir que toda e qualquer denúncia possa ser realizada em caráter estritamente confidencial e, assim, assegurar a adoção das apurações e providências eventualmente cabíveis.”
Ex-alunas do professor demitido pelo Liessin relataram detalhes dos assédios.
X., 19 anos:
“Na época dos assédios, eu tinha entre 15 e 18 anos. Em praticamente todas as aulas, ele me pedia para levantar, após ter explicado a matéria no quadro, para que eu fosse à mesa dele e ele ‘estalasse as minhas costas’. Ele fazia isso comigo e com outras meninas também. Na frente da turma toda. Ele me segurava por debaixo dos braços comigo de costas para ele e me levantava pressionando seu corpo contra minhas costas, literalmente me encoxando.
Uma vez ele disse que eu só poderia assistir à aula dele se desse uma voltinha para que ele pudesse ver minha bunda. Recorrentemente, ele falava sobre o corpo e o peso das alunas, de forma muito sexualizante, e, uma vez, enquanto ele falava que eu estava muito magra, ele me segurou, comigo virada de frente pra ele, pelas axilas, encostando nos meus seios de forma muito descarada e me levantou no ar, me deixando imóvel e suspensa. Naquele dia, eu não usava sutiã, o que tornou o episódio mais agoniante ainda. Isso aconteceu na hora do recreio e havia pouquíssimas pessoas na sala o que me fez ficar com medo do que ele podia fazer se ficássemos sozinhos.”
Y., 18 anos:
“Na época, eu tinha entre 16 e 17 anos. Fisicamente, o que ele fazia comigo era sempre abraçar e estalar as costas quando chegava em sala (o que logicamente fazia os peitos encostarem mais). De vez em quando, em rodinhas de alunos, ele ficava fazendo carinho nas minhas costas. É muito bizarro porque claramente dá pra ver que ele era invasivo e fazia coisas muito inconvenientes. Mas, vivendo ali, parecia normal. Bizarro como a gente demorou pra se tocar. Uma vez, ele falou sobre eu ter ‘crescido muito’ desde o 9º ano, que foi quando o conheci. Também falou sobre eu não poder usar biquíni, só maiô. Uma amiga minha disse que era estratégia dele pra mostrarmos fotos de outras meninas usando biquíni pra ele poder ‘reprovar’ de brincadeira.”
W., 22 anos:
“Os fatos aconteceram quando eu estava no segundo ano, tinha de 16 pra 17 anos. Ele pegou meu telefone com alguém dizendo que, como eu era representante de turma, nós tínhamos assuntos acadêmicos para tratar. Ele me mandava mensagens, geralmente depois da aula, falando que era pra eu ir com uma calça mais justa, porque ‘me favorecia mais’ e depois mandava eu apagar as mensagens. Tinha vezes também que eu falava tipo ‘beijo, tchau’ e ele perguntava se ELE podia escolher onde que era esse beijo, falando ‘por enquanto é na bochecha, só até os 18’, querendo dizer que depois dos 18 anos o beijo ia ser em outro lugar.
A gota d’água foi durante uma aula, em que eu estava usando o celular escondido, ele viu e pediu para colocar o telefone na mesa dele, e disse que eu só poderia retirá-lo quando o sinal do intervalo tocasse. O sinal tocou, e eu levantei pra pegar meu celular. Quando passei por trás dele, ele tentou me segurar pela cintura, mas eu esquivei e ele me pegou pela blusa, que subiu até a altura do sutiã na frente da turma inteira. Tentei puxá-la pra me cobrir. Ele me segurou pela cintura, puxando meu corpo pra ele, mordendo o lábio e me perguntou o que eu achava que estava fazendo.
Nessa hora, uma amiga minha se levantou e falou: ‘Larga ela!’. Lembro de ficar muito constrangida. Corri pro banheiro pra chorar. No fim do ano, quando denunciei à escola, eles me perguntaram porque eu não tinha levado a denúncia para a coordenação antes. Respondi que meu medo era ser reprovada porque não dei ao professor o que ele queria de mim.”
Z., 22 anos:
“Eu estava numa aula, que não era a dele, e resolvi ir ao banheiro. Ele vinha na direção contrária. O pátio é enorme, mas ele estava vindo super perto de mim. Quando a gente se cruzou, ele passou a mão dele em diagonal da minha barriga até os meus seios. E continuou andando como se nada tivesse ocorrido. Na hora, nem entendi o que tinha acontecido e não falei pra ninguém. Tinha 16 ou 17 anos na época. Sinto que só hoje posso falar dele com mais tranquilidade, já que agora vejo que não estou sozinha nessa. Na época, eu fiquei calada. Sinto também que ele tem que pagar pelas coisas que ele fez. Comigo, foi só um episódio, mas com outras meninas —algumas, minhas amigas— ele foi capaz de fazer coisa pior.”