Caso de adolescente que morreu vítima de "disparo acidental" tem reviravolta
Perícia, imagens de circuito interno e depoimentos revelam que morte de adolescente de 14 anos em condomínio de luxo pode não ter sido decorrente de disparo acidental
Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, pode não ter sido vítima de uma disparo de arma de fogo acidental. A adolescente morreu no último dia 12 de julho em um condomínio de luxo na cidade de Cuiabá (MT).
A conclusão de uma perícia técnica revelou suspeitas sobre a versão oficial de disparo acidental como a causa da morte da menina. “As pessoas envolvidas nesse homicídio, elas têm que pagar pelo que elas fizeram”, desabafou a mãe da vítima, Patrícia Hellen Guimarães Barros.
As novidades do caso foram reveladas em reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, que mostrou várias contradições entre a versão apresentada, as conclusões da perícia e os depoimentos e circunstâncias envolvendo o fato.
Segundo a versão da adolescente autora do disparo, o tiro foi acidental. Ela segurava numa mão a arma e com a outra abaixou-se em direção ao chão para pegar um tênis, momento em que ocorreu o tiro, que acertou a cabeça da adolescente.
“Como ela disparou no rosto da minha filha, a uma curta distância, em linha reta, com todo esse discurso no depoimento dela de que ela teria se desequilibrado?”, questiona a mãe de Isabele.
Duas chamadas para o SAMU
Outro fato que chama a atenção é que houve duas chamadas para o Samu feitas por pessoas ligadas a autora do tiro, que também tem 14 anos, uma do pai e outra da irmã mais velha dela.
O pai disse que Isabele havia caído num dos banheiros da casa e havia perdido muito sangue. A irmã mais velha disse que havia ocorrido um disparo acidental. “Como uma pessoa com tal gabarito não consegue ouvir e distinguir que foi tiro ou não?”, questiona a mãe de Isabele.
O pai e a mãe da jovem autora do disparo têm autorização para ter armas em casa pois são CAC´s, sigla para colecionadores, atiradores e caçadores. O namorado da autora do disparo, de 16 anos, foi quem levou a arma para a casa da adolescente. Ele disse que não havia projétil no tambor da pistola usada no incidente.
Esse depoimento é questionado pelo advogado da família de Isabele, Hélio Nishiyama. “Se ele não alimentou a arma, a única que pode ter feito isso é a jovem que efetuou o disparo”, disse.
Troca de roupa
Outro fato que chamou a atenção da mãe de Isabele foi o fato de que a autora do disparo trocou de roupa após o disparo. “Como duas adolescentes tiveram ideia de tomar banho e trocar de roupa? Eu cheguei na casa dela de roupão. Eu estava chocada. Aquilo pareceu um teatro, uma encenação”, disse.
Em depoimento, a autora do disparo diz que não lembra o que fez logo após o tiro e nega ter tido qualquer discussão com a vítima.
Também chama a atenção o depoimento do enfermeiro do Samu que viu a mãe da autora do disparo mexendo em uma arma na mesa da sala e a alertou para que não fizesse aquilo, pois ali fazia parte da cena do crime. “Houve grave falha no isolamento do local do crime”, diz o advogado da família de Isabele.
Segundo a reportagem, mais de 20 pessoas já prestaram depoimento à polícia. Os celulares da autora do disparo e do namorado estão sendo periciados.
Praticante de tiro
A adolescente que atirou em Isabele é praticante de tiro esportivo na modalidade Hangdung-Light. De acordo com vídeos publicado no perfil ‘Team Molina’, dedicado a praticantes do esporte, as imagens exibiam a adolescente durante um treinamento em um campo de tiros, no dia 23 de junho.
Nas imagens, é possível ver a habilidade da jovem, que atira e em seguida troca o cartucho da arma. Após a sequência de tiros, o treinador mostra o alvo, onde ela acertou principalmente no centro e no campo superior. Ele elogia o resultado depois.
Fiança
Nesta segunda-feira (3), o juiz João Bosco Soares da Silva, da Décima Vara Criminal, subiu de R$ 10 mil para R$ 52,2 mil o valor da fiança para o pai da adolescente que matou Isabele.
A princípio, o empresário havia sido preso em flagrante por posse ilegal de arma e foi solto após pagar fiança de R$ 1 mil. Depois, a Justiça havia imposto, a pedido da família da vítima, o valor de R$ 209 mil, que acabou derrubada alguns dias depois pelo desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), Rondon Bassil Dower Filho.
Na recente decisão, o juiz aceitou o argumento da defesa do empresário a respeito da situação financeira dele. “O investigado é empresário e está passando por severa dificuldade de liquidez financeira em período de pandemia, o que está afetando a todos. Como comprova a documentação anexa, a empresa do investigado no ano de 2020 faturou menos de um terço do que havia faturado até julho do ano passado, sendo que no corrente ano acumula prejuízo de R$ 636 mil”, consta trecho da decisão.
A defesa também declarou que o empresário contraiu dois empréstimos bancários no valor total de R$ 500 mil. “Continuo a sustentar, também, que o valor da fiança fixado pela autoridade policial, no importe de R$ 1 mil, é irrisório, incompatível com a realidade financeira do averiguado que, em sua manifestação reconheceu, ser empresário, residente em condomínio de alto padrão, proprietário de automóveis, incluindo carro esporte importado, e também de aeronave, que alega estar fora de uso, em razão de avarias”, lembrou o juiz.
O magistrado também salientou que o conjunto de armas encontrado na casa onde o crime ocorreu já evidencia a ‘capacidade econômica e financeira’ dele. Havia sete armas na casa no momento do crime.
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