Temos muito que aprender com Nelson, tanto na vida como no samba
Dia 25/07, Nelson Sargento completou 96 anos de vida e, por conta desse fato recente e importante para a comunidade do samba achei por bem falar dele nesta semana.
Cinthia Filomeno*
Nelson Sargento – registrado como Nelson Mattos, com dois “t”, como ele adora frisar – nasceu em 1924, na Praça XV no Rio de Janeiro. Sargento morou no Morro do Salgueiro até os 12 anos, quando se mudou com a mãe para a Mangueira, onde foi levado para o samba por seu padrasto Alfredo Português. Pintor por profissão, Alfredo ensinou o ofício ao menino, mas, tal profissão, não atraía o jovem Nelson que procurou o Exército para ter uma ocupação e garantir respeito da família. Atuou como militar de 1945 a 1949, e vem levando o apelido, para a vida.
Nesses anos todos, Nelson sempre esbanjou experiência e visão crítica. Sua alta patente no samba e seu enorme talento, foram essenciais para que ele fizesse “Agoniza, mas não morre”, considerada por muitos um hino do samba. Mas os seus 96 anos, não enganam e dão muito mais que um samba. A trajetória na música, na literatura e nas artes são suficientes para muitos carnavais.
Até quem não é do samba sabe que, Nelson Sargento milita pelo samba desde os anos 1950, quando o gênero era muito marginalizado (já mencionei sobre isso em outras colunas). A rádio até tocava o samba, mas, era o produtor da rádio, que fazia um trabalho bonito e ia até o morro “extrair” a matéria prima, para que o gênero fosse de fato tocado.
Nelson Sargento teve uma trajetória muito difícil no samba, já que o samba não era o que é hoje. Nelson foi persistente, trabalhando dia a dia para que o samba fosse valorizado. Hoje Sargento é o presidente de honra da Mangueira e, o samba, o gênero popular mais conhecido da nossa cultura, mundo a fora.
Os dias de luta renderam milhares de músicas e cerca de 30 discos. Teve reconhecimento até no Japão, onde gravou álbuns e mantém uma legião de fãs. Fez shows antológicos e teve parceiros ilustres como Cartola, Carlos Cachaça, Zé Keti e Paulinho da Viola. Ao lado de Paulinho, Zé Keti e outros músicos, integrou os grupos “A Voz do Morro” e “Os Cinco Crioulos”. Apresentou musicais ao lado de Clementina de Jesus, Nora Ney e Cyro Monteiro e, na lista de grandes intérpretes de suas canções estão, Elizeth Cardoso e Beth Carvalho.
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Nelson foi além do samba chegando às artes plásticas e à literatura. Com suas pinturas realizou exposições pelo Brasil e conquistou colecionadores. Como escritor, lançou livros de poemas, de contos e de pensamentos e, até atuar em filmes, Nelson fez com maestria. Em uma entrevista para a rádio CBN contou que, após filmar o documentário “Nelson Sargento da Mangueira”, de Estevão Ciavatta, Fernanda Montenegro lhe perguntou: ‘Você sabia que era ator?’ e, com um sorriso meio de lado respondeu: ‘Imagina só!’… E imaginamos mesmo já que foi com esse documentário, que Nelson ganhou o prêmio na categoria de melhor ator no Festival de Cinema Rio Cine. Ele ainda trabalhou com outros diretores como Walter Salles, Daniela Thomas e Cacá Diegues.
Nelson também se tornou objeto de estudo no universo da cultura e o pesquisador musical Diogo Costa e o historiador André Diniz escreveram o livro: “Nelson Sargento, o samba da mais alta patente”, que foi produzido ao longo de dois anos, com aproximadamente 50 horas de entrevistas gravadas.
Recentemente, o sambista se viu em uma situação complicada financeiramente, pois teve seus shows cancelados por causa da pandemia do Covid-19. Por esse motivo o músico havia decidido vender objetos pessoais, como seus ternos da Mangueira e sua coleção de vinis. Nelson que é um dos nomes mais respeitados e queridos do samba, teve sua luta publicada nas redes sociais e amigos e fãs deram início a uma vaquinha virtual, para arrecadar fundos para ajudá-lo nesse momento delicado.
Nelson Sargento é uma dessas personalidades do samba, que devemos sempre lembrar, sempre citar e sempre escutar. Muitos fatores são esclarecidos quando o escutamos na vitrola e muitos outros quando lemos suas obras literárias e contemplamos suas obras artísticas.
A patente Sargento deve-se respeito, assim como a pessoa que vem levando cravado como sobrenome durante toda uma vida!
Axé para a vida! Axé para o samba! E, claro, axé para o nosso querido Nelson Sargento!
*Cinthia Filomeno é artista visual, pós-graduada em Fundamentos da Cultura e das Artes pelo Instituto de Artes da UNESP, escritora e pesquisadora do samba, e autora do livro Samba: Uma Cultura Popular Brasileira