A 1ª expedição humana à Marte: uma viagem sem volta
Empresa holandesa prepara o primeiro assentamento humano no planeta, mas viagem não tem volta. Passagem de seis a sete meses em direção ao planeta vermelho custaria US$ 6 Bilhões
Marte fascina o homem desde tempos imemoriáveis. A conquista do espaço foi um dos grandes sonhos da humanidade nos tempos da Guerra Fria, mas os dias das expedições à lua, os sputniks e as frases que ficaram para história pareciam ter ficado pra trás desde que a Nasa (agência espacial americana) começou a sofrer os estragos da crise financeira.
Porém, nem tudo está perdido; pelo menos para a empresa holandesa Mars One, que está preparando o primeiro assentamento humano no planeta vermelho. A empresa criada pelo pesquisador Bas Lansdorp pretende vender os direitos de exploração de um reallity show para financiar o projeto e assim fazer com que a utopia possa se transformar em realidade.
Apesar de ser um projeto que conta com a confiança do doutor Gérard’t Hooft, vencedor do Prêmio Nobel de Física em 1999, cientistas do Instituto Nacional de Técnica Aroespacial (INTA), da Agência Espacial Europeia (ESA) e do Observatório Astronômico de Almadén de la Plata, em Sevilha, se mostram céticos.
Marte habitável em 2022?
“O único motivo pelo qual esta expedição não aconteceu antes é a falta de financiamento”, explica a porta-voz da Mars One, Aashima Dogra. No entanto, os cientistas encontram mais alguns obstáculos para esta aventura.
Marte é o planeta de nosso sistema solar com condições mais próximas às da Terra, mas mesmo assim um astronauta sem o traje espacial “não duraria mais de 20 segundos sem perder a consciência e morreria depois de um minuto”, segundo o diretor do Observatório Astronômico de Almadén de la Plata, Miguel Gilate.
Em suma, trata-se de planeta com um ambiente hostil para a espécie humana: “A vida em Marte só pode ser imaginada sob a superfície (como na lua) e com excursões limitadas no tempo”, garante o diretor científico da missão Mars Express, da ESA, Agustín Chicarro.
As temperaturas são muito mais baixas que as da Terra (-100 graus centígrados) e os astronautas que aceitassem a missão teriam que suportar, além de uma baixíssima pressão atmosférica, tempestades de vento de até 500 quilômetros por hora e radiações ultravioleta de uma intensidade altíssima.
Por este motivo, “não podemos imaginar seres iguais a nós em outros planetas, já que as condições serão diferentes”, esclarece Gilate.
No entanto, “a Mars One esta pondo todo o conhecimento que se adquiriu ao longo dos anos em uma só missão”, indica a porta-voz da empresa, que confia que, transformando de maneira artificial as condições do planeta, os quatro astronautas selecionados para a viagem possam sobreviver.
“Todas estas mudanças não são nem possíveis nem desejáveis (pela mudança ambiental com consequências imprevisíveis que representariam estes transtornos em outro planeta)”, acrescenta Chicarro.
US$ 6 bilhões e uma passagem sem volta
Após uma perigosa viagem de seis a setes meses em direção ao planeta vermelho, quatro dos candidatos selecionados aterrissariam muito longe do planeta que lhes viu nascer e jamais poderiam retornar.
Encontrar astronautas que não enlouqueçam diante da ideia de não poder voltar é uma tarefa árdua e difícil e levam Chicarro à conclusão que “ir a Marte para não voltar é algo pouco pensado, uma maneira romântica de suicidar-se”.
O motivo dado pela empresa Mars One é que “não existe a tecnologia necessária para trazê-los outra vez”. “Existe para poder fazê-lo em uma missão curta”, mas a empresa quer criar a primeira colônia humana além da estratosfera.
O custo da missão (US$ 6 bilhões) e o financiamento também surpreendeu os cientistas e, na direção do Centro de Astrobiologia do INTA, Javier Gómez-Elvira lembra que a Nasa tinha planejado missões a Marte para 2017.
“Em 2011 foi apresentado um projeto da Nasa, o Space Launch System, que propunha o desenvolvimento de um novo lançador capaz de enviar uma tripulação a Marte com um orçamento muito maior e que estaria pronto para 2017. Acho que esse projeto não se iniciou por seu alto custo”, contou Gómez-Elvira.
Existe uma companhia privada Space X que apoia a Mars One e que pensa que terá pronto um lançador para desenvolver o projeto, mas o certo é que atualmente é extremamente custoso e “não parece que esteja entre as prioridades das nações”.
Quero ser astronauta
Há menos de um mês a empresa abriu o processo de seleção para encontrar, após pagamento prévio das despesas de inscrição que vão de US$ 5 a US$ 7 (dependendo do país de residência), os quatro primeiros astronautas.
Os candidatos devem ser inteligentes, criativos, psicologicamente estáveis e com boa forma física, além de estar preparados para solucionar qualquer problema potencial, “alguns deles totalmente imprevisíveis”, segundo o site da empresa.
A capacidade de reflexão é a qualidade essencial para os candidatos, embora também precisem ser curiosos, ter “um espírito indomável”, crescer perante as dificuldades e manter uma atitude baseada no “posso fazer”.
O processo de seleção, segundo explica o site, terá um toque de show, pois a proposta é que duas de suas quatro fases sejam transmitidas pela televisão ou pela internet, em nível nacional ou inclusive mundial, até que restem seis grupos de quatro pessoas que passarão anos treinando.
Já em 2022 e com todos os candidatos devidamente formados, a grande decisão será tomada de maneira “democrática”, na qual “os moradores da Terra” poderão votar sobre qual grupo dará o grande salto.
Os futuros aspirantes a astronautas não perdem tempo e no site da Mars-One se amontoam as solicitações – acompanhadas de um vídeo de apresentação – procedentes de todos os cantos do mundo.
Realidade ou ficção? Será preciso esperar dez anos para descobrir. Embora nenhum dos pesquisadores duvide que algum dia o homem pisará em Marte: “A possibilidade de habitar a Lua ou Marte não parecem impossíveis Quando será factível? Isso é talvez o que não é possível imaginar”, considera Chicarro.
Mas o afã explorador dos humanos não deve nos confundir. “A Terra é o planeta mais lindo e complexo que conhecemos” – garante o especialista – “e o certo seria usar nosso tempo para cuidar dela da melhor maneira possível”.
Ana Pérez López, Efe