A Importância do grupo "Terreiro Grande" para a história do samba de São Paulo e Rio de Janeiro
Cinthia Filomeno*
“Já chegou quem faltava, quem o povo esperava chegar…” (Nilson Gonçalves)
Esperei um pouco para falar de Terreiro Grande, porque minha relação com eles, assim como tudo na minha vida é de pura intensidade.
Quando em 2007 eles lançaram o disco do projeto “Cristina Buarque e Terreiro Grande Ao Vivo” eu lembro da minha reação de surpresa e admiração ao ouvi-los. Me lembro, principalmente, de escutar todos os blocos ininterruptamente num “repeat” eterno. Todos eles perfeitos, impecáveis e irretocáveis.
Na época, já conhecia alguns do grupo e frequentávamos juntos as rodas de sambas da vida, pelas ruas de São Paulo.
“Eu não sou do morro, mas eu gosto de samba, eu fui criado no meio de gente bamba…” (Francisco Santana)
Dentre outros projetos, quero destacar aqui, um pouco deste que citei acima, que foi gravado em formato de show lá no Espaço FECAP, em São Paulo.
O disco-show foi dividido em quatro pot-pourris, totalizando 37 músicas em quatro blocos, reunindo canções de Paulo da Portela, Manacéa, Francisco Santana, Manoel Ferreira, Roberto Martins, Alberto Lonato, Nilson Gonçalves, Alvaiade, Adolfo Macedo, Marcelino Ramos, Zé da Zilda, Bide, Marçal, Antonio dos Santos, Silas de Oliveira, Bubu da Portela, José Bispo, Alcides Dias Lopes, Cartola, Heitor dos Prazeres, Herivelto Martins, Anescarzinho do Salgueiro, Noel Rosa de Oliveira, Ernâni Alvarenga, Candeia, Djalma Mafra, Francisco Alves, Sylvio Fernandes, Picolino da Portela, Mijinha, Zé Cachacinha, Antonio Caetano, Walter Rosa, Zé Ketti, Aniceto da Portela, Armando Santos e do mestre Monarco.
Uma obra-prima!
Renato Martins, um dos idealizadores do projeto contou um fato importante acerca deste trabalho:
“Homero Ferreira era produtor do Teatro Fecap. Um teatro que foi pensando apenas para música e nada mais. Toda a acústica dele, das paredes ao material usado nas poltronas, foi feito visando a acústica. Era impressionante a qualidade de som. Pois, bem. Homero convidou Cristina para fazer o show do, também maravilhoso “Ganha-se pouco, mas é divertido”, só com sambas do Wilson Baptista. Ela havia nos conhecido uns poucos anos antes e fez a contra proposta de topar, apenas se fosse um show com a gente, na época ainda Morro das Pedras.
Quando veio a data do show, o Morro havia encerrado as atividades. De maneira que tivemos que inventar um nome, apenas pra constar nos créditos, já que ela queria um show em conjunto e não ser acompanhada. Foi daí que veio Terreiro Grande, surgido de um samba do Wilson Morreira e Paulo C. Pinheiro. Sugestão do Roberto Didio.
Tínhamos 8 shows pra fazer e lá fomos nós. Para a nossa surpresa, a Fecap não só gravava todos os shows em pistas separadas, como doava tudo aos artistas, ao final da temporada.
Ouvindo aquele monte de material, viu-se que dava um disco.
Em setembro, daquele mesmo ano de 2007, lançávamos no mesmo teatro esse disco especial que, como alguns já disseram, mexeu com algumas estruturas na época. Ou seja, foi o puro acaso que resultou nesse trabalho.
Um orgulho: o disco é 100% independente.”
Ainda hoje eu sigo ouvindo sem parar, mas confesso que, com a pandemia e consequentemente a quarentena, a quantidade que ouço é tanta, que às vezes acho que vão me expulsar de casa!
Me sinto privilegiada ao falar deles, mas me sinto mais privilegiada de conviver com eles, de tê-los como amigos (uns mais próximos) mas, principalmente, de vê-los tocando sempre que posso.
Leia aqui todos os textos de Cinthia Filomeno
Antes da quarentena, Terreiro Grande fazia apresentações mensais em casas de samba de São Paulo como o Ó do Borogodó na Vila Madalena, a Toca da Capivara na Bela Vista e, esporadicamente, uma linda roda no bar do Alemão (Bar O Patriota) no Tatuapé, bar esse que é a casa deles e que para mim, quando acontece, eu considero como o evento do ano.
“O sofrer é da vida, eu aceito. Não guardo, porém, ódio ou rancor dentro do peito. Tenho a minha consciência pura e sã. Quem me condena não se lembra do amanhã.” (Alvaiade e Djalma Mafra)
Quem não teve a oportunidade de conhecer esse projeto inteiro, deixo os links abaixo de todos os quatro blocos.
Aconselho você apertar o play, aumentar o volume e sair sambando pela casa, num esquenta quase pós-pandemia. Aproveita e se prepara para quando ela passar, você cair no samba e nas graças da roda dessa gente bonita, com muito batuque e muita alegria. Mas cuidado! Você vai se viciar também!
Ah! Uma observação importante, para quem não conhece: Cristina Buarque é irmã de Chico e Miúcha!
*Cinthia Filomeno é artista visual, pós-graduada em Fundamentos da Cultura e das Artes pelo Instituto de Artes da UNESP, escritora e pesquisadora do samba, e autora do livro Samba: Uma Cultura Popular Brasileira
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