Deus, empatia e as nossas irmãs
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Eu já havia refletido sobre o assunto, mas com o caso da acusação de estupro do jogador Robinho, o tema me veio à mente de novo.
Um jornalista que admiro pelo seu poder de ponderação, ao agravar o caso de estupro, sugeriu que os ouvintes colocassem suas familiares no lugar da moça que teria sofrido o crime. A fala do jogador pode parecer não tão grave, mas imaginem se ele se referisse às irmãs de vocês, por exemplo, provocou o radialista.
Adorador de mulheres, com irmãs e, “pior”, pai de menina, por óbvio que imaginando alguma ente no lugar da suposta vítima, meu repúdio à fala só aumenta.
Mas eis aí a questão. Não deveríamos precisar imaginar com repulsa nossas irmãs sofrendo desde um “pequeno” ato machista até um estupro para condenar de machistas a estupradores. Sendo assim, aqueles que não têm irmãs ou filhas teriam que concordar com um abrandamento de contrariedade a esses atos.
A empatia é uma das palavras em voga. Com certeza é um sentimento louvável. É mérito se colocar no lugar do outro. Mas penso que, em alguns casos, é, paradoxalmente, egocêntrico. Por que preciso ME colocar no lugar do outro para legitimar a defesa que faço dele? Isso não seria defender a mim duma dor imaginária e suposta?
O filósofo iluminista Voltaire disse que “não sabia se Deus existia. Porém, ele precisava existir.”
Para o pensador, Deus serviria como um agente de equilíbrio social. Sem Ele, haveria o caos, pois as pessoas fariam o mal sem medo de represálias futuras e eternas.
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É novamente o egoísmo. Os tementes não fazem o bem pelo bem. Fazem por medo. Isso é, querem a sua redenção e não a do outro.
Outro pensador contemporâneo, MC Catra, teria sentenciado: “deixem as mina com roupa curta, deixem as mina transar, deixem as pessoas, pô!”. Sim, pois egoistamente, esperamos que os outros sejam reflexos de nossos valores, de nossos pensamentos.
Precisamos nos imaginar negros para achar horrendo o racismo? Temos que pensar quão difícil é ser homossexual pra censurar a homofobia? Temos mesmo que nos colocar no lugar de nossas mães, filhas, irmãs, enfim, das mulheres que nos cercam, para respeitá-las?
Empatia, religião, analogias… são fases ainda concretas dum utópico abstracionismo.
A ética pressupõe fazer o certo mesmo que ninguém esteja vendo. Nem Deus.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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