Uruguaio é eleito um dos 10 cientistas mais importantes do mundo após criar teste revolucionário
Uruguaio é eleito um dos 10 cientistas mais importantes do mundo pela 'Nature' após criar teste que controlou a pandemia do coronavírus no país. Gonzalo Moratorio é o único latino-americano a integrar a lista
Juan Miguel Hernández, El País
Gonzalo Moratorio, de 38 anos, acaba de ser o único latino-americano reconhecido pela revista Nature como um dos dez cientistas mais importantes de 2020 pelo desenvolvimento de um teste barato e eficaz para detectar o coronavírus.
A pesquisa do cientista permitiu ao Uruguai controlar a pandemia de forma exemplar. O país, com 3,5 milhões de habitantes, teve menos de cem mortes. No Brasil, o estado do Espírito Santo, com uma população similar, já registra 4.630 vidas perdidas.
Entre o despertar da vocação científica de Moratorio e a consagração internacional, concedida a cientistas do quilate de Tedros Adhanom, diretor da OMS, o uruguaio publicou 40 artigos em revistas científicas e desenvolveu uma patente para projetar vírus de RNA sintético como candidatas.
Ele fez mestrado e doutorado em biologia celular e molecular Universidade da República do Uruguai, em Montevidéu, e passou mais de 15 anos trabalhando para entender a evolução dos vírus. Entre 2012 e 2018, fez pós-doutorado no Laboratório Marco Vignuzzi do Departamento de Virologia do Instituto Pasteur de Paris. Ao terminar, voltou ao Uruguai com a esperança de montar seu próprio laboratório e formar um grupo de pesquisa que lhe permitisse colocar o conhecimento científico a serviço da sociedade.
Hoje, Moratorio é o pesquisador responsável pelo Laboratório de Evolução Experimental de Vírus do Instituto Pasteur de Montevidéu.
Qual foi a origem dos testes e como você os desenvolveu?
No início da pandemia, recebemos mensagens da Espanha e da Itália sobre o que iria acontecer conosco. Vimos como as fronteiras começaram a fechar e como os aviões pararam. Seria muito difícil encontrar suprimentos para os testes. Eles eram raros e caros. Por isso, no Instituto Pasteur de Montevidéu, decidimos desenhar nossos próprios testes com os materiais e tecnologia disponíveis no Uruguai. No final, obtivemos uma receita fácil de replicar que tinha a mesma sensibilidade e especificidade de qualquer um dos testes recomendados pela OMS.
O que os diferencia de outros testes de diagnóstico?
Nossos RCPs são autônomos e soberanos. Não precisamos de nenhum grande laboratório ou empresa farmacêutica para realizá-los. Isso é uma vantagem porque, por exemplo, os testes da Roche só funcionam com equipamentos Roche e os equipamentos da Roche analisam apenas os testes da Roche. O mesmo acontece em outros casos. Nossos testes são para todos os tipos de equipamentos, são abertos e gratuitos porque os financiamos com recursos públicos e cooperação internacional.
Quantos testes você fez?
No início da pandemia colocamos 40% de todos os testes que foram feitos no Uruguai, depois 30%. No total, desenvolvemos quase 150 mil testes. Deve-se levar em consideração que o Uruguai tem três milhões de habitantes e cerca de meio milhão de exames já foram realizados. É um dos países que mais realiza exames para cada caso positivo detectado.
Como fizeram isso?
Nas mesas dos políticos, decisões muito importantes tiveram que ser tomadas. Tínhamos duas opções: trazer absolutamente tudo da Coreia do Sul, técnicos, suprimentos, centenas de milhares de testes, ou apostar que nós no Uruguai poderíamos construí-los sem depender de ninguém. O país escolheu o último. Conseguimos fazer milhares de exames desde o dia da primeira infecção. Isso serviu para fazer diagnósticos massivos, rastrear as infecções e isolar os positivos. Conseguimos conter as mortes, até o momento são menos de 100 mortes por coronavírus no Uruguai. Também ajudamos a evitar uma quarentena obrigatória que restringe os direitos individuais.
Como você conseguiu conter o contágio massivo nas fronteiras com o Brasil e a Argentina?
A disponibilidade imediata desses testes e a capacidade de implementá-los em todo o território ajudaram a conter a pandemia. As fronteiras, principalmente o Brasil, que é o país com mais infecções na América do Sul, eram uma bomba-relógio, então colocamos laboratórios nessas áreas específicas. Desta forma evitamos a entrada de muitas infecções. No entanto, meu medo é que todos esses esforços sejam arruinados porque com o verão as pessoas estão relaxando e os números estão subindo.
Você acha que é possível replicar essas experiências em outros países da América Latina?
Acho que sim. O mais importante é descobrir que em nossos países podemos gerar conhecimento e valor agregado. É preciso investir mais dinheiro do PIB em ciência. Isso se reflete no crescimento geral da sociedade. A ciência é o veículo para a América Latina melhorar sua qualidade de vida. Esperançosamente, veremos os países em nossas latitudes produzindo suas próprias vacinas em um futuro próximo.
Qual a sua opinião sobre o desenvolvimento da vacina contra o coronavírus?
Estou muito otimista, acho que há candidatos muito bons, e acho que esses tempos de fabricação de discos e ensaios clínicos devem ser entendidos dada a urgência do momento. Nunca antes o planeta inteiro esteve atrás do mesmo objetivo. No entanto, sou extremamente crítico. Acho que não deveria haver nenhum país que tenha mais tempo de espera pela vacina. Esperançosamente, os órgãos de governo globalmente podem distribuir vacinas de maneira equitativa em todo o globo.