Perda: breve crônica
Diante da perda de amores tão queridos, familiares, relacionamentos, saúde, trabalho e a singela compreensão de onde estamos, que tempo vivemos, continuamos esperando que o amor, a felicidade e a rebeldia contra todos os tipos de desigualdades e injustiças nos alcancem
Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo Político
Perda. Talvez seja essa a palavra menos falada e mais sentida no final do fatídico 2020 e início de 2021 – ano que ainda se arrasta, trazendo-o próximo de nós como se ainda os poucos fogos de artifício não tivessem brilhado nos céus e o calendário tivesse sido alterado. Mais de 200 mil mortos mostram a realidade cruenta de um país desgovernado, sem rumo ou orientação, infortunado de todas as maneiras, até o momento presente, possíveis e imaginárias.
Centenas de milhares perderam amigos, irmãos, tios, mães, pais e avós. Enterrados com distanciamento perdemos o ritual sagrado do luto (mesmo para os mais céticos). Perdemos ternos amores, perdemos a noção do tempo, do espaço, enclausurados numa bolha invisível. Perdemos oportunidades, o caminhar da vida, o futuro previsto cheio de expectativas. Hoje já não há horizontes mesmo com a chegada da vacina para o vírus da perda. Choramos sem sentido, sem razão, sem a vitalidade do choro e dos sentimentos e emoções necessárias. Choramos pela perda.
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Vivemos, sem dúvida, um período autoritário – nas comunidades, nas aldeias, nos quilombos, nos assentamentos e nos grandes e pequenos centros urbanos. Enclausurados pela perda física, emocional e simbólica, continuamos seguindo num vale, como dito, desgovernado, sem rumo ou orientação.
Perdemos muito. Choramos pela perda, e não pararemos de chorar.
Como escreveu García Márquez, “essas dificuldades nos entorpecem ao extremo”. Somos os peões de um intrincado jogo mesquinho e violento – por um vírus, por um não-presidente, militares ignóbeis e uma multidão desorientada pela perda. Desafortunados pela falta de horizontes de expectativas andamos, como disse escritor colombiano, esperando pela “simples justiça, como uma das maiores lições que podemos compreender”.
Diante da perda de amores tão queridos, familiares, relacionamentos, saúde, trabalho e a singela compreensão de onde estamos, que tempo vivemos, continuamos esperando que o amor, a felicidade e a rebeldia contra todos os tipos de desigualdades e injustiças nos alcancem. Diante de perdas tão doídas, desejamos que nós, estirpes condenadas a 500 anos de solidão – onde 2020 tornou-se o ápice dos infortúnios – “tenhamos por fim e para sempre uma segunda oportunidade sobre a Terra”.
*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestre em história pela UFPR e professor da rede municipal de Itararé