"Não podiam tocar no corpo dela", diz irmã de vítima da 'doença da urina preta'
Irmã da médica veterinária Priscyla Andrade, que morreu após contrair a "doença da urina preta", contou que comprou o peixe no mesmo local onde é cliente há 12 anos. Flávia Andrade também foi internada e disse que outras pessoas se sentiram mal. Ela pede mais estudos sobre a doença
A empresária Flávia Andrade, de 36 anos, revelou que a irmã Priscyla Andrade, de 31 anos, sentia muita dor a ponto de não aguentar que tocassem no corpo dela. A médica veterinária faleceu nesta terça-feira (2) vítima da Síndrome de Haff, popularmente conhecida como ‘doença da urina preta’.
Segundo a família, Priscyla ficou com os rins, fígado e pulmão comprometidos, além de apresentar problemas na musculatura.
“Quando a gente foi socorrer Pryscila, ela estava com fortes dores, não conseguia se mexer de tanta dor. Ela ficou paralisada porque não conseguia nem que tocasse nela. Eu também comecei a apresentar os sintomas, fiquei da nuca para o quadril paralisada com muita dor, eu não conseguia mais andar. Eu pensei que fosse um estresse devido à situação, por estar vendo minha irmã naquela situação”, contou Flávia em publicação nas redes sociais.
Flávia foi internada no dia 20 de fevereiro, quando foi visitar Priscyla na UTI e conversou com um médico. Ela se submeteu a exames e descobriu que estava com taxas no sangue alteradas. Flávia ficou quatro dias internada em um leito clínico. Ela afirmou que o diagnóstico de síndrome de Haff veio por acaso, pois o médico teria citado um caso parecido em outro paciente.
As irmãs se contaminaram após comerem um peixe da espécie arabaiana. O pescado foi comprado no bairro do Pina, na zona sul de Recife. Flávia disse que é cliente do local há 12 anos e os produtos sempre foram de qualidade. A empresária afirmou ainda que usou o peixe duas vezes em casa. A primeira vez no dia 12 de fevereiro, quando ela e as duas empregadas consumiram o alimento, e na segunda vez quando, além das três pessoas, o filho e a irmã Priscyla almoçaram na casa dela.
“No primeiro consumo, me senti mal, as empregadas também se sentiram mal, mas a gente confundiu com dor de coluna, dor de estômago, dor abdominal. No segundo consumo, além de mim, e das secretárias, meu filho e minha irmã Priscyla consumiram o peixe. Meu filho teve diarreia e as secretárias ficaram com dor nas costas. Eu senti dores no corpo, enjoo, diarreia, e minha irmã ficou com muita dor e falta de ar. Ela ficou com o fígado, os rins e o pulmão com problemas”, relatou Flávia.
“O meu apelo é para que tenham mais estudos sobre essa doença. O diagnóstico dela foi por acaso. Não há como saber se o peixe está contaminado. Não tem cheiro diferente, sabor diferente, nada”, concluiu.
Doença da urina preta
Rara, a doença de Haff é ocasionada pela presença de uma toxina biológica de algas que são ingeridas por peixes. A substância ataca a musculatura e os rins, deixando a urina escura, segundo o médico infectologista e professor da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), Fernando Maia.
“Ela pode causar lesão renal importante, algumas pessoas ficam com urina escura, há pessoas ainda que fazem lesão renal a ponto de precisar de diálise”, explicou o médico infectologista.
Maia afirmou que com a descoberta deste caso, a população de Pernambuco e Alagoas, por serem estados vizinhos, devem evitar o consumo de peixe neste período até que a situação seja normalizada, pois não há como saber se o pescado está contaminado ou não.
Já o biólogo Cláudio Sampaio explicou que não é possível reconhecer se o peixe está contaminado e destaca que a toxina não está presente apenas na espécie arabaiana, conhecida também como olho de boi. Ele disse que a toxina vai se acumulando ao longo da cadeia alimentar de espécies aquáticas.
“Essa toxina não é muito conhecida, acredita-se que ela entre na cadeia alimentar através da ingestão de peixes que filtram microalgas que produzem essa toxina. Uma sardinha se alimenta dessa microalga, essa sardinha é consumida pelo chicharro, que acumula, que é consumida pelo olho de boi (arabaiana) e que atinge uma grande quantidade de toxina”, disse Sampaio, que é professor dos cursos de biologia e engenharia de pesca e coordenador do Laboratório de Ictiologia e Conservação campus Penedo da UFAL.
Como tratar?
Um dos sintomas Síndrome de Haff, a urina escurecida é uma consequência da liberação de uma substância chamada miogobina no corpo. Essa proteína, tóxica para os rins, é liberada pelo próprio organismo, com a necrose muscular – outro sintoma provocado pela Síndrome.
“Quando ocorre a necrose muscular, existe uma proteína chamada mioglobina que tem uma cor escura e acaba passando para a urina. Os sintomas da síndrome acabam sendo decorrentes da necrose muscular”, disse o infectologista Paulo Olzon.
O primeiro passo para tratar a doença, segundo o infectologista, é a hidratação em casa. “É importante procurar se hidratar e procurar atendimento médico assim que os sintomas aparecerem”.
No hospital, o aumento da enzima CPK é um fator associado à doença, que pode facilitar o diagnóstico do paciente. “A degradação muscular também aumenta a presença dessa enzima. Isso serve de orientação para o diagnóstico e também para a alta”, disse.
Além da hidratação, o tratamento também é feito com analgésicos, de acordo com os sintomas apresentados. “O tempo de cura é extremamente variável. Vai depender da intensidade da doença para poder traçar um relatório. Crianças, adultos e idosos podem ser acometidos da mesma forma”.