Professor de Direito diz que vítimas de estupro 'colaboram' com o crime
Delegado aposentado e coordenador do curso de Direito: "Vamos pensar: o que é mais fácil estuprar? Uma freira de hábito ou aquela menininha com a cinta larga? Fala para mim. Que vítima colabora mais com a prática do crime de estupro?"
O professor de direito penal Fábio Alonso “ensinou” a seus alunos de uma universidade particular em Ourinhos (interior de São Paulo) que uma vítima de estupro “colabora” com o crime pela roupa que estiver usando.
“Vamos pensar: o que é mais fácil estuprar? Uma freira de hábito ou aquela menininha com a cinta larga? Fala para mim. Que vítima colabora mais com a prática do crime de estupro? Eu estou falando em tom de brincadeira, mas eu quero que vocês imaginem isso“, afirmou o docente, que também é coordenador do curso.
Em outra parte da aula, o professor alega que mulher submissa “apanha menos”.
“Quem apanha mais? A mulher passiva, que fica quietinha, que vê quando o marido chegou de cara cheia, ou aquela que começa ‘ bebeu de novo, trabalhar que é bom você não quer, né seu vagabundo?’ Quem apanha mais: a quietinha ou a bocuda?”, questionou.
Fabio Alonso, delegado aposentado e professor de Direito de uma universidade particular de Ourinhos (SP), diz numa aula online que vítima de estupro “colabora” com o crime.
“o que é mais fácil estuprar? Uma freira de hábito ou aquela menininha com a cinta larga?” pic.twitter.com/1nca1LBqTm— Flávio Costa (@flaviocostaf) April 17, 2021
Inicialmente, o professor justificou ao portal G1 que o trecho foi retirado de contexto para viralizar nas redes sociais. Ele ainda disse que em momento algum imaginou que poderia ter sido interpretado dessa forma e que utiliza esse exemplo nas aulas há pelo menos 15 anos.
“O que eu fiz não foi para ofender ninguém, foi com fins didáticos, e seria algo no mínimo deselegante querer associar com qualquer instituição. A instituição não tem nada com isso. E, em momento algum, eu fiz referência à condição de mulher como vítima“, explicou.
Depois, em entrevista à Tv Tem (afiliada da Globo), Fábio Alonso reconheceu o erro e disse que foi infeliz ao usar o exemplo do crime de estupro.
“Eu gostaria de me retratar e de pedir desculpas às pessoas que tiveram acesso ao vídeo, porque fui infeliz no exemplo que foi dado. […] Eu estava dizendo que o juiz, no momento em que ele vai dosar a pena, tem que analisar as circunstâncias judiciais que estão expressamente previstas no artigo 59 do Código Penal, que dizia: a pessoa pode ter bons antecedentes e pode ter maus antecedentes, pode agir com maior ou com menor culpabilidade“, declarou.
O Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos (Unifio) publicou uma nota no site da instituição sobre o ocorrido:
“A Unifio esclarece que repudia qualquer tipo de discriminação ou ato de preconceito, seja por deficiência física ou mental, cultura, religião, nacionalidade, raça, classe social ou identidade de gênero. Assim, após tomar conhecimento da divulgação do ocorrido pelas redes sociais, a Unifio está apurando os fatos para análise de eventual necessidade de adoção de providências, sempre respeitando o devido processo legal e os princípios do contraditório e da ampla defesa.”
Ainda na nota publicada, a universidade disse que irá propor um workshop para debater o tema com profissionais da área e a comunidade, com o intuito de promover mais conhecimento e cumprir com o seu papel educacional.
“A fim de cumprir o propósito de promover o melhor ambiente de estudos, entendemos salutar fomentar amplo debate de caráter científico, de forma que organizaremos, promoveremos e divulgaremos um workshop para debate do tema com a comunidade acadêmica e jurídica, propiciando a participação dos integrantes da sociedade, aproveitando assim o episódio que causou polêmica para viabilizar a discussão do assunto em todas as suas vertentes, sob a ótica jurídico-científica atual, e, dessa maneira, contribuir para o aprimoramento científico, que é o objetivo da nossa instituição educacional.”
Alunos pedem afastamento
Os alunos do curso de direito publicaram uma carta de repúdio e pediram o afastamento do professor que viralizou e causou polêmica nas redes sociais ao dizer que o comportamento da vítima de estupro pode “colaborar” com o crime.
Leia a íntegra:
Nós, alunos do curso de Direito da UNIFIO, vimos a público nos manifestar com esta Nota de Repúdio acerca do tratamento dado pela reitoria da instituição com o caso das falas machistas e misóginas lançadas por um de nossos professores, que hoje ocupa a coordenação de nosso curso.
Por mais que a gente tenha conversado já com o professor sobre o ocorrido, as recentes entrevistas por ele dadas aos meios de comunicação, que agora estão sendo divulgadas, demonstram que o que foi exposto pelos alunos ainda não foi por ele compreendido, sendo este o primeiro ponto de nossa nota. Em nenhum momento, nós alunos, queremos censurar ou impedir que determinados temas sejam tratados dentro de sala de aula. O que nos incomodou profundamente foi, além do exemplo utilizado para explicar determinado conceito jurídico, a forma como esse exemplo foi dado. Explicaremos.
A aula em questão, que teve o vídeo amplamente divulgado, versava sobre circunstâncias judiciais de primeira fase de dosimetria, um ponto que o juiz da causa deve levar em consideração quando está definindo a quantidade da pena a uma pessoa que cometeu um crime, previstas no artigo 59 de nosso Código Penal. Uma dessas circunstâncias é o comportamento da vítima, que pode ser levado em conta para, em determinados casos, deixar mais leve, a pena a ser imposta – mas isso nao significa que ela nao será aplicada.
O primeiro ponto que repudiamos a fala do professor é justamente aqui. A doutrina penalista mais moderna, exemplificada pelo professor Cléber Masson, um dos maiores penalistas de nosso país, deixa claro que o comportamento da vítima do crime de estupro não deve mais ser levada em consideração pelo juiz. Dito de outra forma: não importa quem era a vítima, onde estava andando, que horas estava na rua, com que roupa estava. Nada disso importa como enquanto “comportamento da vítima” para atenuar pena de estuprador. O fato de o professor mencionar em suas entrevistas (G1, Jornal Atual) que usa esse mesmo exemplo há 15 anos só demonstra o quanto seu conhecimento está ultrapassado e ainda defende posicionamentos machistas e retrógrados. Isso não deve mais ser levado em consideração e é extremamente ofensivo para as mulheres que assistem sua aula.
Ainda pode-se considerar que alguns doutrinadores tratam desse exemplo, que alguns magistrados consideram que o comportamento da vítima é uma atenuante do crime de estupro, mas aqui entra nosso segundo ponto de indignação: o modo como o assunto foi tratado em sala de aula. Nós já fomos alunos do professor Fábio em outras ocasiões e sabemos a forma pela qual ele trata essas questões. Ainda que diga que não compactua com a conduta, sempre trata o tema do estupro de maneira jocosa, debochada, em tom de piada. Prova disto é o que consta do próprio vídeo que está sendo divulgado. Além disso, a fala do professor é clara: “quem contribui mais para o estupro?”, deixando claro que ambas as mulheres a seguir mencionadas contribuíram, mas, em sua opinião, uma mais, outra menos.
Já não é de hoje que existem reclamações acerca do modo que o professor trata determinados temas em sala de aula, ao contrário do que defende em sua posição ao Jornal Atual. Ex-alunos relatam que, em tempos de aulas presenciais, não gravadas, alguns comentários desnecessários e desrespeitosos eram corriqueiros, principalmente com mulheres.
As situações são as mais diversas. Já se disse “não adianta fazer cara feia”, em tom de riso, para alguma aluna que reclamou de determinado comentário. Quando alguma aluna saia da sala em decorrência de algum comentário desrespeitoso, ele se dirigia à toda sala: “olha lá, não gostou da brincadeira” e incentivava o riso contra a aluna que nem ali mais estava. Os exemplos desrespeitosos, como estes que aparecem no vídeo são corriqueiros e podem ser comprovados por diversas turmas de ex-alunos.
Nosso terceiro ponto, é a forma como a reitoria da universidade tratou a questão, merecendo total repúdio:
“Lavaram as mãos”! A Universidade declarou que defende a “liberdade de cátedra” de seus professores e que o assunto deveria ser tratado por estes. Eles que deveriam deliberar o que fazer com o professor. Vale lembrar que, hoje, o professor Fábio é coordenador do Curso de Direito, aquele que atribui as aulas para os demais professores.
Como esperar que os professores, alguns que estão ali com ele desde o início e são seus amigos pessoais, votassem contra ele? Desde quando a reitoria precisa se submeter à decisão dos professores? Isso foi apenas uma tática para tirar a responsabilidade de suas costas e jogá-la aos professores, sabendo que eles nunca votariam a favor do afastamento do professor em questão. Eles mesmos nos ensinam acerca da suspeição. Sobre a liberdade de cátedra, ainda é bom apontar que ela não autoriza o ensino equivocado, de visões do direito que não foram recepcionadas pela Constituição, além da propagação clara de preconceitos enraizados de nossa sociedade, cujo nosso objetivo é diariamente combatê-lo.
Sendo assim, sem mais nos alongar, serve a presente nota de repúdio para cobrar da reitoria um posicionamento sobre a questão, para que afaste imediatamente o professor de suas atividades, docentes e de coordenação. Uma das turmas, ao final de uma aula, tentou conversar com o professor e explicar a situação, o ponto de vista dos alunos, mas o tom das mais recentes entrevistas por ele dadas demonstra que ele não entendeu em nada o que foi explicado, ainda culpando os alunos pela divulgação e pela não compreensão de sua parte. Isso é inadmissível nos tempos em que vivemos e, por sermos aqueles que mantêm essa instituição com nossas mensalidades, queremos, o quanto antes, que o professor Fábio Pinha Alonso seja imediatamente afastado de suas funções.
Alunos das turmas 1° matutino, 1° noturno, 3° noturno (11 a favor, 6 contra), 5° matutino, 5° noturno, 7° matutino (24 a favor, 11 contra), 7° noturno, 9° matutino e parte do 9° noturno, do Curso de Direito do Centro Universitário das Faculdades Integradas de Ourinhos.
Ourinhos/SP, 17 de abril de 2021.
Centro Universitário de Ourinhos
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