Primeiro capítulo da CPI da Covid mostra Renan com ‘faca e queijo na mão’
Trapalhadas em série indicam que o governo Bolsonaro “não precisa de oposição”, segundo analista da FGV. “Tropa de choque” demonstrou inexperiência nas primeiras articulações
A sessão de instalação da CPI da Covid nesta terça-feira (27) indica que o presidente Jair Bolsonaro não vai ter vida fácil nos próximos meses. Em minoria na comissão, falta experiência e capacidade de articulação aos parlamentares que compõem a “tropa de choque” do governo.
“Esse é um governo que não precisa de oposição. Cria fatos negativos e dá tiros no pé o tempo inteiro”, afirma o cientista político Cláudio Couto.
Em entrevista ao Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (27), Couto citou, como exemplo, o áudio vazado do ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, assumindo que se vacinou escondido, para não contrariar o presidente. É mais um episódio que revela o “grau de negacionismo” que permeia o governo, segundo o professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Além disso, o próprio governo ofereceu um “roteiro” para as investigações da CPI da Covid. A Casa Civil enviou aos ministérios um documento com 23 acusações que pesam contra Bolsonaro no combate à pandemia que poderiam ser usados na CPI.
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A lista inclui, dentre outros pontos, a negligência do governo na aquisição de vacinas, a promoção de remédios sem eficácia, a “militarização” do Ministério da Saúde e a oposição a medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores na tentativa de conter a doença.
Fator Renan
Outro tiro que saiu pela culatra foi a ação judicial movida pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP) para tentar barrar a indicação do senador Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da CPI da Covid, instalada nesta semana. A liminar, concedida por um “juiz obscuro” do Distrito Federal, foi ignorada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ).
Essa movimentação fracassada, segundo Couto, deve reforçar a atuação ainda mais incisiva de Renan. Ele lembra que o senador emedebista foi “humilhado” na eleição para a presidência da Câmara em 2019, quando Bolsonaro apoiou o nome de Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Agora Renan, que foi três vezes presidente do Senado, “tem a faca e o queijo na mão”, de acordo com o cientista político.
Primeiro milagre
Além disso, com a “tropa de choque” enfraquecida, sobrou para o primogênito do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), tentar atrapalhar o andamento da comissão. Ele demonstrou preocupação que os trabalhos da comissão causem aglomerações entre os senadores. Ele disse que “o governo é a favor de se investigar”, “mas não agora”.
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“Antes de qualquer coisa, eu acho que é muito importante comemorar a declaração do senador Flávio Bolsonaro, porque, afinal, é a primeira vez que ele se preocupa com aglomeração. Talvez, agora, ele esteja saindo do negacionismo e aderindo à Ciência”, ironizou Renan.
Mandetta
O ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM-MS) é outro nome que deve causar dores de cabeça ao Palácio do Planalto. Apesar de ter adotado postura dúbia no início da pandemia, também em função do negacionismo do chefe, Mandetta “saiu atirando”, quando foi demitido do ministério. Ele caiu ao não chancelar o “tratamento precoce” defendido pelo presidente. Mandetta será o primeiro convocado para falar à CPI, na próxima terça-feira (4). Seus antecessores, Nelson Teich e o general Eduardo Pazzuello, também serão ouvidos pelos senadores. Bem como o atual ministro, Marcelo Queiroga.
“Mandetta tem tudo para fazer um depoimento muito negativo para o governo. Inclusive, para o próprio presidente. Ele pode dizer o que o Bolsonaro lhe exigiu e como foi pressionado a não tomar as medidas necessárias na área da saúde. Vai ser um depoimento não só interessante, mas com um risco muito grande para o governo”, avaliou Couto.