Jovens acusados de furtar comida foram entregues por supermercado a traficantes
Mortos por comida: jovens negros acusados de furtar alimento foram capturados por gerentes de supermercado. Funcionários pediram R$ 10 mil de recompensa para não entregá-los a traficantes. Caso provocou revolta devido ao aumento da fome no Brasil
Deputados da Assembleia Legislativa da Bahia cobram da Secretaria da Segurança Pública resposta sobre os assassinatos de dois jovens negros que teriam sido entregues a traficantes por seguranças da rede de mercados Atakarejo, após ambos, supostamente, terem furtado carne em uma das lojas.
O duplo homicídio ocorreu nesta segunda-feira (26/4), horas depois de Bruno Barros da Silva, 29 anos, e Ian Barros da Silva, 19, tio e sobrinho, terem, supostamente, sido flagrados por seguranças do supermercado Atakadão Atakarejo, no bairro de Amaralina, região de classe média de Salvador.
Familiares das vítimas informaram ao jornal Correio que, pouco após serem pegos, por volta das 15h30, receberam telefonemas de pessoas que se apresentaram como seguranças da loja e pediram R$ 10 mil de recompensa para não entregá-los a traficantes da região.
Em seguida, os dois passariam a ser espancados em uma ala reservada, tanto pelos supostos seguranças quanto por outros funcionários da loja. Após a sessão de tortura, ambos teriam sido entregues a, pelo menos, dez homens que aguardavam do lado de fora, em dois carros.
No final da tarde de segunda-feira, os corpos de tio e sobrinho foram encontrados no porta-malas de um veículo, a quilômetros do local, na comunidade da Polêmica, no bairro de Brotas, com sinais de tortura e cerca de 30 perfurações a bala.
Após perder o contato com os dois, a família então passou a receber fotos da dupla, por meio de um aplicativo de mensagens e obteve a confirmação das mortes no Instituto Médico Legal. O último registro de ambos em vida foi uma foto dos dois sentados no chão do supermercado.
Bruno era pai de uma criança de dois anos, que morava com ele na mesma casa que o sobrinho Ian, em Fazenda Coutos, no subúrbio ferroviário, região que concentra dezenas de bairros com população de baixa renda na capital baiana.
Tribunal do crime
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Bahia, o deputado Jacó (PT) classificou a atitude atribuída aos funcionários da loja como “uma barbárie que afronta a democracia, a legislação, por meio da imposição de um tribunal do crime”.
“Roubo de alimentos, numa crise econômica dessas, na qual as pessoas estão passando fome, é inadmissível aceitar a adoção da pena de morte, ao arrepio da lei”, afirmou. “Se eles estavam furtando, que chamassem a polícia, em vez de traficantes ligados ao crime organizado”, continua.
O parlamentar disse que a sociedade baiana não pode aceitar, sem indignação, o comportamento dos funcionários da empresa. “Minha indignação é por que envolve os grandes e poderosos. Se fossem dois jovens brancos, da classe média, haveria comoção. Mas como foram negros…”.
Para o deputado, caso o estabelecimento fosse “um mercadinho de bairro”, os responsáveis já poderiam estar penalizados. “A Comissão não vai se intimidar que esse tipo de atitude passe impunemente na Bahia, não importa quem seja o dono”, afirmou.
Quem também se manifestou contra o assassinato dos jovens, além da atitude dos funcionários da loja, foi a deputada estadual Olívia Santana (PcdoB). “A cena desses dois jovens negros, ao lado de alguns quilos de carne, é de causar dor e indignação”, declarou em sessão na Assembleia.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos afirmou ter oficiado a Secretaria de Segurança para cobrar agilidade na apuração, mas ainda não obteve resposta. O parlamentar disse também ter acionado o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, assim como a Defensoria Pública do Estado.
Atakarejo
A rede de supermercados Atakarejo pertence ao empresário Teobaldo Costa, que foi candidato a prefeito de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, no último pleito municipal, pelo partido Democratas.
Por meio de nota, o Atakarejo informou que é “cumpridor da legislação vigente, e atua rigorosamente comprometido com a obediência às normas legais e não compactua com qualquer ato em desacordo com a lei”.
O texto diz, ainda, que “especificamente em relação aos fatos questionados, tratam-se de fatos que envolvem segurança pública e que certamente serão investigados e conduzidos pela autoridade pública competente”.
Também por nota, a Polícia Civil da Bahia respondeu que a “1ª DH/Atlântico investiga um duplo homicídio, ocorrido na tarde desta segunda-feira (26), na localidade da Polêmica”.
Ainda de acordo com o comunicado da polícia, “a motivação do crime está relacionada ao tráfico de drogas”. Segundo a nota, já haveria indicativo de autoria dos crimes e equipes da unidade têm realizado diligências para tentar localizar os suspeitos.