Morte de arquiteto negro no dia das manifestações levanta suspeita de familiares
Um mistério para amigos e familiares: enquanto a PM fala em suicídio antes mesmo do início das investigações, depoimentos, últimas mensagens e indícios contestam a versão apontada no Boletim de Ocorrência
informações de Brasil de Fato e Hypeness
O arquiteto Luiz Felipe Bernardes dos Santos, conhecido como Macalé, faleceu na madrugada de sábado (29) para domingo (30) em São Paulo. A morte é um mistério para amigos e familiares, que contestam a Polícia Militar por incluir no Boletim de Ocorrência que o arquiteto cometeu suicídio.
O corpo do arquiteto e artista foi encontrado às 3h20 da madrugada do último domingo (30), no vão do Viaduto Sumaré. Patrícia Brasil, sua companheira, afirma que Macalé estava em um bom momento na vida e que não tinha motivos para se matar.
“Nossas últimas conversas no Whatsapp, todas mostram ele animado e feliz, me mostrando as imagens dos lugares que ele passou, me mandando fotos. Em nenhum momento ele pareceu triste, como se fosse fazer algo contra ele mesmo.”
“O Macalé é um poeta. A pessoa que vai se matar deixa carta, deixa vestígio, escreve, mas nenhum amigo vai te dizer que ele tinha essa inclinação”, ponderou Patrícia.
O amigo João Alves compartilha da indignação. “O Macalé não era uma pessoa que não pedia ajuda, ele pedia. Tanto que, quando a mãe dele faleceu, ele foi atrás de mim para pedir suporte. Se ele estivesse passando por alguma dificuldade, ele recorreria a mim ou ao Sócrates”, afirmou.
O educador Sócrates Magno esteve com Macalé na noite que antecedeu a morte do arquiteto. “Falamos a semana inteira, eu fui convidado para um projeto de humor e queria que ele me ajudasse. No sábado estávamos juntos no bar, ele estava bem. Ele nunca teve pensamentos suicidas e não havia motivos para isso”, explica o amigo.
Horas antes da morte
Macalé saiu para encontrar os amigos em um bar na região da Consolação, por volta de 19h30. No mesmo horário, havia uma manifestação contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que interrompeu o trânsito na região e fez com que o arquiteto descesse do ônibus para caminhar até o estabelecimento, onde seus amigos já estavam.
Após 21h, o bar fechou, em respeito ao decreto que vigora em São Paulo e que determina o horário de funcionamento de estabelecimentos no período da pandemia e Sócrates foi embora para sua casa. Foi então, que Macalé seguiu para outro boteco, que aceitava clientes após o horário proibido.
Por lá, ficou até 1h35 da madrugada, quando seguiu em um carro chamado via aplicativo para sua casa, no bairro da Água Branca, na zona oeste de São Paulo. Os dados da corrida mostram que Macalé chegou em sua residência à 1h53.
A residência onde Macalé vivia tem uma segunda casa nos fundos, onde moram sua tia e dois primos — um deles, Alexandre Santos. “No Uber acusa que ele veio para cá. O que supostamente aconteceu aqui, a gente não sabe. Se ele realmente veio aqui, se foi ele que esteve aqui. Só recebemos o telefonema depois do ocorrido”, conta Alexandre.
Patrícia Brasil foi dormir após 1h11 da madrugada, horário de sua última troca de mensagens com Macalé, que a informou que já estava de partida do bar. Às 3h57, a Polícia Militar tentou contato com ela, para informar a morte do arquiteto, mas a ligação não foi atendida.
“Eu mandei uma mensagem para o Macalé logo cedo, para falar do livro que estou lendo, ele que me deu. Mas ele já estava morto. O primo do Macalé, Alexandre, foi quem me ligou por volta de 12h, dizendo que o Macalé não tinha voltado para casa. Aí, retornei para o número que me ligou de madrugada, já era 13h e o telefone era da polícia, me informaram da morte”, lembra Brasil.
Casa revirada e relação com ‘manifestações’
O que intriga a companheira e os amigos é o que ocorre após a chegada de Macalé em sua casa. De acordo com o primo Alexandre e a companheira Patrícia, a mochila que o arquiteto usava naquela noite e madrugada estava no seu quarto, ao lado de sua máscara e de uma garrafa de água.
Os objetos largados no quarto confirmam que Macalé teria, de fato, passado em casa. Porém, suas roupas estavam reviradas, um notebook desapareceu, assim como o anel de formatura do arquiteto.
Macalé saiu com vida da casa? Se saiu com vida, para onde estava indo? Havia alguém com Macalé, após às 2h, quando ele teria saído novamente de casa?
A única testemunha do caso, um ciclista que passava embaixo do viaduto quando o corpo de Macalé caiu, não foi identificada pela Polícia Militar. Ele se jogou ou foi empurrado do alto da ponte? São perguntas que somente uma investigação poderá responder.
Patrícia confirmou que Macalé não estava nas manifestações contra o governo Bolsonaro. Porém, ela teme que o fato dele ser um homem negro e estar com uma camisa vermelha (da seleção da Colômbia) possam ter despertado a ira de algum grupo de ódio.
“Macalé passou pela manifestação e foi para o bar, mas eu acho que a gente nãoo pode descartar nenhuma possibilidade porque o Macalé era um homem negro e estava vestido de vermelho. Não sei se alguém, por maldade, identificou ele como um esquerdista mesmo ele não tendo participado como militante dos protestos. A gente não pode descartar nada”, afirma.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que “o caso é investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo 23º DP (Perdizes). Todo trabalho de polícia judiciária é realizado para esclarecer as circunstâncias dos fatos. Os familiares estiveram na unidade e conversaram com a autoridade policial responsável pela investigação.”
Últimas imagens e mensagens de Macalé:
*Igor Carvalho, Luis Soares, Veronica Raner