Delmar Bertuol
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Colunistas 15/Set/2021 às 08:39 COMENTÁRIOS
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Me apaixonei pela atendente da Vivo

Delmar Bertuol Delmar Bertuol
Publicado em 15 Set, 2021 às 08h39

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Não adianta, sou como aquele samba do Paulinho da Viola: “meu coração tem mania de amor.” Me apaixono fácil. E quanto mais inalcançável a mulher, mais perdidamente fico, tal qual um poeta francês do século XVIII.

Há quase dois meses que uma musa está atordoando meus sentimentos e pensamentos. É a atendente do call center da Vivo. É um amor platônico. Uma utopia amorosa. É que, na verdade, ainda não nos conhecemos pessoalmente. Na verdade, ainda nem conversamos.
Explico.

Mês passado, a Vivo, a quem até então eu não tinha reclamações, me cobrou o dobro na conta.

Dirigi-me até a loja em que eu havia contratado o serviço. Se posso contratar por lá, posso resolver problemas pelo mesmo lugar, concluiu usando uma logicidade simples.

Mas estava equivocado. As vendas são tão rápidas que, quando vê, já está na fatura do cartão de crédito (que nem se precisa passar, basta dar o número); resolver problemas é diferente.

A moça que vende, mas não resolve problemas, me instruiu que eu devia ligar na Vivo e resolver o problema por lá, remotamente.
Não acusem a Vivo de não incentivar a cultura. Quarenta minutos escutando música. Foi o suficiente pra eu me perder de paixão. Já imaginava ela, a atendente, me informando o número de protocolo (que eu escutaria com descaso e mentiria depois: sim, anotei), e pedindo pra eu confirmar data de nascimento, RG e CPF.

Mas precisei desligar. A paixão tem suas urgências, mas também eu não tinha quarenta minutos pra esperar meu amor. Pensei que talvez ocorrera alguma pane no sistema e o tempo de espera estava elevado, prejudicando o serviço e os futuros namoros.

Tentei mais tarde. Ansiava não tanto resolver a questão da superfatura quanto falar com a Carol. Não sei o nome dela, mas preciso imaginar um. Tem que ser um nome que dê pra abreviar e seja jovial. Marlene, Laura e Antônia não são bons nomes pra namorada. Não se pode abreviar. Fernanda, Michele e Karina também não. A abreviação fica monossilábica, pode parecer cinismo. O nome dela é Carolina. Caroline, com e no final não, pois quando brabo eu a chamasse pelo nome inteiro, a fala informal faria com que eu a chamasse de /carolini/.

Novamente o tempo passava. A musiquinha ao fundo me fazia “sentir saudades do que a gente não viveu”, pra citar outro apaixonado destes tempos. Eu já imaginava sua voz aveludada sabor leite condensado com morango avisando “que estaria providenciando uma nova fatura”, dessa vez com o valor correto.

Eu estava apaixonado, ansioso pelo seu “bom dia, senhor”. Mas não pude ficar mais do que 45 minutos a aguardando. O trabalho me chamava. Sempre o trabalho em excesso a estragar os relacionamentos.

A Carol frequentava meus pensamentos. Olhava praquela conta cobrando cinquenta reais dum serviço que eu não solicitei (sequer sabia do que se tratava) e já a imaginava ao telefone pedindo desculpas em nome da Vivo. Eu estava prestes a cometer um desatino, que o amor não tem razoabilidade. Iria terminar com a minha namorada. Ela não merecia eu estar com ela enquanto pensava em outra. E mais, devia respeitar meu futuro relacionamento com a Carol.

Parece loucura de amor, eu sei. Mas não é a primeira vez que penso em fazer algo do tipo. Certa vez quase rompi um casamento de anos por causa duma moça que pegava o mesmo ônibus que eu. É que ela tinha os olhos marotos, o colo alvo como sorvete de leite condensado e estava toda a semana com um livro diferente. Além disso, tinha um quê de mulher-moleca. Se eu a descobrisse de esquerda, iria avançar o passo, que sou atrevido, às vezes: lhe daria bom dia. Adaptando a letra de Otacílio Batista, “mulher nova, bonita, carinhosa e com consciência de classe faz o homem gemer sem sentir dor”.

Mas eu não podia terminar meu namoro. Não sem antes ter um mínimo de certeza de que a Carol sentia o mesmo por mim.

Minha namorada é gata-pra-carai. Cabelos negros como chocolate ao leite, os olhos esverdeados de Capitu. E a sua brancura me remete às dunas praianas. Tem independência financeira e emocional. Pra completar, ainda é mais alta do que eu. Modéstia à parte, só fico com mulheres bonitas como ela e a Carol. Feio, inseguro e com baixa autoestima já basta eu na relação.

Não podia arriscar meu relacionamento por uma incerteza. A Carol, com sua simpatia e beleza intrínseca, deve ser cobiçada por vários homens. Sobretudo por aqueles com má-sorte nos serviços de internet.

Liguei decidido e esperar o tempo que fosse pra resolver a minha situação. O amor não pode ter pressa. Uma hora e quarenta minutos. Foi o tempo que pude esperar escutando a música de compositor desconhecido. Eu ia esperar mais. Não duvide de um homem sendo ceifado financeiramente e, pior ainda, perdidamente apaixonado. Mas a minha filha reclamou comida. Estava com fome. Ainda tentei argumentar que eu precisava muito conversar com a sua futura madrasta. Mas o meio-dia já avançava. Desliguei.

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Relutei, mas fiz: procurei o serviço público. Sempre ouço que eles, os serviços públicos, são morosos, demorados e ineficientes. Mas a Carol, do serviço privado, não me atendia! Entrei no site da Anatel. Registrei reclamação.

Alguns dias depois um representante da Vivo me ligou. Não, não era a Carol. Era um cara. Simpático e solícito, mas sua voz em nada lembrava uma bala de caramelo. E nem pude supor que seus traços e feições eram delicados como uma obra Renascentista. Até ia perguntar da Carol, mas julguei que seria deselegante.

Em suma, o simpático rapaz pediu desculpas em nome da Vivo e me garantiu que, na fatura seguinte, eu seria ressarcido do valor cobrado extra. E aqui cabe um par de parênteses: (como trabalho com internet e fiquei receoso de perdê-la, optei por pagar a fatura com o valor absurdo e reclamar a ressarcimento depois).

O rapaz de voz nada doce me explicou o que ocorrera: a Vivo me enviou três mensagens de SMS me ofertando um serviço de música ou algo assim. Como eu não respondi que “não”, a Vivo deduziu que eu queria o serviço que custa mais do que o meu plano de internet+ligação. Genial. Óbvio. Ocorre que o meu celular sequer notifica mensagens por SMS. Na verdade, eu nem sabia que se usava SMS ainda, sobretudo oriunda de uma operadora de internet.

Mas, enfim, o rapaz avisou que a próxima conta seria abatida e que já estava cancelando a possibilidade de eu receber SMSs oferecendo esse tipo de serviço. Que eu nem sei o que é.

Pois bem, fiquei tranquilo. Apesar de ter que usar um moroso serviço público e não ter conhecido a Carol, meu problema, a princípio, fora solucionado.

E eis que chegou o mês que vem.

Pois não só o valor não fora abatido, como ainda me cobraram o mesmo serviço. Ou seja, minha fatura de novo estava em dobro!

Conforme combinado, mandei um emeio pro simpático rapaz. Nada. Enviei mais uns três ou quatro emeios e nada de ele responder.

Eu já havia superado a Carol. Havia passado um final de semana inesquecível com a minha namorada de pernas esguias e mãos sempre de prontidão a um carinho. Mas precisei novamente viver aquela expectativa de ouvir sua voz de creme, enquanto com a caneta mexia nos seus cabelos louros como quindim. Que a Carol, presumo, é loura.

Mas novamente o amor não me foi correspondido.

E novamente tive que acionar o serviço público, cujos servidores que ganham dois mil por mês vão quebrar a previdência do País.
Registrada a reclamação, alguns dias depois entrou em contato comigo um assessor jurídico da Vivo ou algo assim. Irritado com a situação e porque de novo não era a Carol a me retornar, nem prestei atenção na sua voz e nem supus seus traços.

Em juridiquês, ele me informou que a conta que havia pago a maior não poderia ser reembolsada, pois se eu não reconhecia o valor, não deveria ter pago. E ele ainda me informou, no que tive que francamente rir, que não precisaria entrar em contato com a Anatel. Que se eu tentasse resolver com a Carol, digo, com a Vivo direto, seria mais rápido.

Em suma, por agir com prudência ao pagar a conta, fui lesado financeiramente, moralmente (o tempo que se fica esperando ao telefone quando se liga pra Vivo é humanamente indigno) e amorosamente.

Se mais uma vez a Vivo me cobrar valores a mais, fico uma tarde (ou mais?) ao telefone, mas vou chamar a Carol pra sair. Depois que cancelar minha conta, claro.

*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”.

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