Prevent Senior escondeu mortes de pacientes que participaram de estudo para testar cloroquina
Em acordo com o governo Bolsonaro para promover o 'kit covid', plano de saúde escondeu mortes de pacientes que serviram de cobaia em estudo sobre eficácia da cloroquina. As informações são de médicos e ex-médicos da Prevent Senior, que revelam algo ainda mais grave: as vítimas não sabiam que estavam participando de testes. Presidente da República chegou a divulgar o 'estudo' em suas redes sociais
Uma reportagem da GloboNews revelou, nesta quinta-feira (16), que o plano de saúde Prevent Senior ocultou mortes de pacientes que participaram de um estudo para testar a eficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19.
Os documentos que comprovam a barbárie foram encaminhados para a CPI da Pandemia por médicos e ex-médicos da Prevent Senior, que revelaram algo ainda mais grave: as vítimas não sabiam que estavam participando de testes.
Segundo os documentos, a ocultação dos óbitos e a disseminação da cloroquina e outros medicamentos era resultado de um acordo entre o plano de saúde e o governo Jair Bolsonaro para promover o chamado ‘kit-covid’. Desde o início da pandemia, o presidente defende o tratamento com remédios que não possuem eficácia contra a doença.
Após a repercussão das denúncias, a Prevent Senior afirmou que pedirá uma investigação ao Ministério Público para apurar as acusações “infundadas e anônimas por um suposto grupo de médicos”. “Devido à estranheza da abordagem, a Prevent Senior tomará todas as medidas judiciais cabíveis”, informou.
O estudo
Nove pessoas morreram durante a pesquisa, mas, publicamente, os autores só mencionam duas mortes. Seis pessoas que morreram estavam no grupo que tomou hidroxicloroquina e azitromicina, enquanto outros dois pacientes que vieram a óbito integravam o grupo que não ingeriu os medicamentos. Há um paciente cuja tabela não informa se ingeriu ou não a medicação.
O estudo começou a ser realizado em 25 de março de 2020 e a sua primeira versão, sem revisão de pares, foi divulgada em 15 de abril. No artigo, o coordenador do estudo, o cardiologista e diretor da Prevent Rodrigo Esper, menciona as duas mortes no grupo que usou as medicações, mas, diz ele, os óbitos foram provocados por outras doenças, sem relação com a covid ou medicamentos.
“Não houve efeitos colaterais graves em pacientes tratados com hidroxicloroquina mais azitromicina. Dois pacientes do grupo de tratamento morreram durante o acompanhamento; a primeira morte foi devido à síndrome coronariana aguda e a segunda morte devido a câncer metastático.”
No entanto, os documentos da pesquisa não apontam nenhum participante com as doenças mencionadas. Três dias depois, em 18 de abril, o presidente Bolsonaro fez uma postagem no Twitter sobre o estudo. Citando a Prevent Senior, ele diz que foram registradas cinco mortes entre os pacientes do estudo que não tomaram cloroquina e nenhum óbito entre os que ingeriram as medicações.
Bolsonaro fez propaganda do ‘estudo’
No dia 18 de abril, o presidente Bolsonaro fez uma postagem no Twitter sobre o estudo. Citando a Prevent Senior, ele diz que foram registradas cinco mortes entre os pacientes do estudo que não tomaram cloroquina e nenhum óbito entre os que ingeriram as medicações.
Veja o que escreveu Bolsonaro no Twitter:
“Segundo o CEO Fernando Parrillo, a Prevent Senior reduziu de 14 para 7 dias o tempo de uso de respiradores e divulgou hoje, às 1h40 da manhã, o complemento de um levantamento clínico feito: de um grupo de 636 pacientes acompanhados pelos médicos, 224 NÃO fizeram uso da HIDROXICLOROQUINA. Destes, 12 foram hospitalizados e 5 faleceram. Já dos 412 que optaram pelo medicamento, somente 8 foram internados e, além de não serem entubados, o número de óbitos foi ZERO. O estudo completo será publicado em breve.”
No dia seguinte, Esper enviou aos seus pesquisadores uma mensagem de áudio com orientações para a revisão de dados do estudo. Ele acrescenta que as informações devem ser “assertivas” e “perfeitas” para que não houvesse contestação.
Um ex-médico da Prevent Senior ouvido pela GloboNews confirmou que o estudo foi manipulado para comprovar a eficácia da cloroquina. Ele também reafirmou que as vítimas e os familiares dos pacientes não autorizaram o uso dos medicamentos.
Orientação para esconder
A GloboNews também teve acesso a mensagens enviadas pelo diretor da Prevent, Fernando Oikawa, para médicos. Ao falar sobre o estudo pela primeira vez ele orienta os profissionais a não informar sobre a medicação usada.
“Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa.”
Em julho do ano passado, a Prevent Senior contrariou uma orientação da CFM (Conselho Federal de Medicina) ao enviar kit cloroquina para pacientes sem o diagnóstico confirmado da covid.