Elza teve infância interrompida após ser obrigada a se casar aos 12 anos e engravidar aos 13
Familiares relataram que Elza Soares teve uma passagem tranquila, serena e até conseguiu se despedir. Elza foi uma mulher extraordinária, a frente do seu tempo, mas com uma história de vida tão sofrida que chega a doer só em pensar. Com perdas significativas, ela precisou se reconstruir muitas vezes, em épocas diferentes
Os familiares de Elza Soares relataram que a cantora teve uma morte tranquila, serena, sem sofrimento e até conseguiu se despedir dos que estavam com ela nos últimos momentos.
Mulher extraordinária e a frente do seu tempo, a morte tranquila de Elza contrasta com sua biografia sufocante, repleta de dramas, tragédias e superação. Elza precisou se reconstruir muitas vezes, em épocas diferentes.
Elza teve a infância interrompida após o próprio pai a obrigar a se casar, quando ela tinha apenas 12 anos. Foi do primeiro marido, Lourdes Antônio Soares, que a cantora herdou o sobrenome que levou até o fim da vida.
Pouco tempo depois do casamento, aos 13, Elza engravidou do primeiro filho — ela teve oito, ao todo. A união durou menos de uma década e, aos 21, a artista já era viúva.
“Eu soltava pipa, jogava bola de gude, com filho no colo. Pegava balão, corria muito, brincava com eles. Foi assim que foi a minha vida. Era criança e mãe”, disse a cantora à BBC em 2018.
Elza, ainda adolescente, perdeu os dois primeiros filhos devido à fome. Em 1986, a artista perdeu Garrinchinha, seu único filho com Garrincha, que tinha apenas 9 anos. O menino foi vítima em um acidente de carro. A tragédia fez com que a cantora entrasse em depressão e tentasse suicídio. Ela decidiu sair do país e só retornou após quatro anos.
Em 2015, Elza perdeu Gilson, aos 59 anos. O filho da cantora teve complicações após uma infecção urinária. “Eu acredito em Deus, nos meus guias de luz. A resposta para vida está aqui entre nós. Nunca me revoltei por tudo que já me aconteceu. Não sou a única a perder filho. É claro que dói demais. Mas todos nós temos uma missão”, disse Elza ao jornal Extra.
Elza teve a filha Dilma recém-nascida sequestrada pelo casal que cuidava dela em 1950. Mesmo sem nunca deixar de procurar a filha, só a reencontrou quando ela já era uma mulher adulta.
Violência doméstica
Entre 1962 e 1982, Elza Soares viveu seu relacionamento mais famoso, com Mané Garrincha. Os dois se conheceram alguns meses antes da Copa do Mundo de 1962, durante um treino do Botafogo, time no qual o jogador atuava à época. No entanto, ele era casado, e Elza namorava o músico Milton Banana.
Depois de alguns meses vivendo o romance escondido, Garrincha se separou da então esposa e, em 1966, Crioula e Neném — apelido do casal — se casaram. Fãs e a própria imprensa perseguiam o casal e diziam que Elza era culpada pelo fim do relacionamento anterior dele.
Os dois ficaram juntos por mais de 15 anos. O ex-jogador, no entanto, tornou-se alcoólatra e passou a ser violento com Elza. Em uma das ocasiões, a cantora teria tido os dentes quebrados pelo marido, mas sofreu em silêncio. Garrincha morreu em 1983, um ano após a separação de Elza, vítima de cirrose hepática.
Apesar disso, em entrevista à BBC em 2018, Elza disse que preferia esquecer os “momentos de ódio” e focar nos “momentos de amor” com Garrincha.
“Eu penso nos momentos de amor. Procuro esquecer os momentos de ódio, porque a coisa pior do mundo é o ódio, né? Então penso no momento de amor, que foi lindo”, contou em entrevista a BBC.
Em 1969, Rosária Maria da Conceição, mãe de Elza, morreu em um acidente na rodovia Presidente Dutra, que liga as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Na ocasião, Garrincha dirigia bêbado quando o veículo bateu na traseira de um caminhão, arremessando Rosária para fora do carro.
“Nasci feminista”
Filha de uma lavadeira, Elza via a vida dura da mãe e, apesar de os pais não verem perspectiva de uma trajetória diferente para ela, a cantora queria mudar. “A expectativa era de não ser lavadeira como minha mãe. Não queria carregar água, ter varizes. Tinha pavor da minha mãe passando roupa com ferro de carvão, lavando tanta roupa”, contou ao GNT em 2020, destacando que uma tia a incentivou na carreira artística.
Dessa insistência em seguir a carreira que queria, veio também a certeza do seu poder: “Eu me sinto maravilhosa. Nasci negra, feminista, me orgulho de ser uma mulher negra, por ter vencido. Sou negra e maravilhosa”.
“Planeta Fome”
A frase “eu vim do planeta fome” foi dita por ela durante participação de um show de calouros de Ary Barroso, no rádio. Ele perguntou: “De que planeta você veio, menina?”. E a resposta veio depois que apresentador e público riram da roupa da cantora, que estava com um vestido da mãe, preso com alfinetes, pois era muito magra: “Do mesmo planeta que você, seu Ary. Eu venho do Planeta Fome.”
Machismo
Apesar das dificuldades, a cantora afirma que criou os filhos Carlinhos, Gérson, Gilson e Garrinchinha, Dilma e Sara da mesma forma. O que seria, segundo ela, uma das maneiras eficazes de combater o machismo. “Não tem distinção, o filho tem que ser criado igual à filha. E tudo bem”, reforçando que as tarefas domésticas também são trabalho masculino.