Brasileiro mata mulher que contratou para ser 'barriga de aluguel' na Argentina
A justificativa do assassino foi de que cometeu o feminicídio para "proteger sua segurança" e a dos gêmeos que teve com a mulher. Depoimento do atirador é repleto de contradições e acusações contra a vítima. Na Argentina, o recurso de barriga de aluguel é proibido por lei
Na última quarta-feira (16), ao abrir a mensagem de um desconhecido no Facebook, Wallace Santos Oliveira, 30 anos, descobriu que sua irmã, Eduarda dos Santos Almeida, 27 anos, tinha sido assassinada na cidade de San Carlos de Bariloche, na Patagônia argentina.
No link enviado a ele, reportagem de um jornal local noticiava o caso da brasileira atingida por nove tiros. “Minha mão começou a entortar, e eu desmaiei. Foi um choque, eu tinha falado com ela dois dias antes“, revela. “Ela dizia que estava para voltar ao Brasil, nós rimos, foi uma conversa agradável“.
O caso está sendo reportado tanto na Justiça quanto na mídia local como feminicídio, graças às características e à confissão do assassino na última sexta-feira (18), o também brasileiro Fernando Alves Ferreira, 26 anos.
O crime
Na manhã da última quarta-feira (16), um turista encontrou o corpo de Eduarda sem vida e notificou a polícia, que no inicio desconfiou de um assalto.
O local fica na zona do Lago Escondido, a poucos metros da estrada que leva ao hotel Llao Llao, centro turístico de luxo da região.
Segundo informações oficiais, nas gravações das câmeras de segurança próximas está registrado o momento em que Fernando levou Eduarda para fora da casa em que estavam vivendo, no bairro Llao Llao, e que o carro os conduziu até o local do crime, na estrada de Circuito Chico.
A arma usada no crime foi encontrada na ponte de Dos Morenos, perto do local. Na casa em que Alves e Eduarda viviam, havia uma caixa de munições em que faltavam 19 balas do mesmo calibre que usaram para assassinar Eduarda.
Dois dias depois, Fernando foi chamado para depor, pois de acordo com os promotores todos os caminhos o levavam ao réu, como o único possível autor do assassinato.
Quando o juiz perguntou se o suspeito iria testemunhar, a defesa respondeu que por enquanto não. Mas o acusado contradisse e falou: “Eu gostaria de testemunhar. Não aguento mais!”.
“Sou responsável, sou culpado pela morte de Eduarda“, disse Fernando.
Houve silêncio no tribunal, e todos se entreolharam surpresos. A defesa não acreditou, pois havia falado com o réu para tentar convencê-lo a se acalmar e não testemunhar. “Eu me arrependo de ter matado alguém? Claro que sim”, completou.
“Gostaria de receber apoio psicológico e me declaro culpado pela morte de Eduarda Santos. Sou responsável. Não planejei, mas tive a opção, considerando que minha vida estava em perigo. Desculpe, mas minha vida veio em primeiro lugar“, afirmou Fernando, segundo o jornal argentino “Diário do Rio Negro“.
Segundo Fernando, Eduarda vinha fazendo “exigências fora do contrato“, como a de participar do cuidado das crianças e inclusive dos gastos, além de ameaças de que os filhos estariam “na mira do narco” se fossem para o Brasil sem que ele pagasse o que lhe devia.
A justificativa dele foi de que cometeu o crime para “proteger sua segurança” e a dos gêmeos que teve com a vítima.
“Fiquei viúvo há sete meses“, afirmou o Fernando, que disse que Eduarda lhe fazia ameaças e que ele se encontrava sem condições financeiras de levar, sozinho, os filhos gêmeos ao Brasil. Porém, entrou em contradição ao dizer que, ainda que preferisse retornar, os supostos vínculos de Eduarda com o narcotráfico no Rio de Janeiro ameaçavam a ele e às crianças, segundo sua versão.
“Se a Justiça argentina mandar meus filhos ao Brasil, estará mandando-os para a morte“, disse ao juiz. As crianças se encontram temporariamente com a cunhada de Alves, que veio do Brasil para auxiliá-lo. “Não me importo em pegar uma perpétua, mas quero meus filhos em segurança“.
Na ação, a brasileira é definida como “uma estrangeira que morava em Bariloche, mãe de um bebê e que não tinha família nem emprego“. Os promotores chegaram a comentar que o Ministério Público argentino teve dificuldade em contatar alguém que a conhecesse.
Segundo a autópsia, a vítima foi morta com seis balas no pulmão, as demais atingiram braço, pernas e o rosto. Também foram identificadas feridas em seu corpo que indicam a possibilidade de uma briga e de ela ter sido atacada antes de morrer, talvez buscando sair do carro. O automóvel foi encontrado com manchas de sangue.
Segundo os promotores, houve premeditação no assassinato e, por isso, foi pedido que ele fosse considerado “autor de feminicídio e homicídio qualificado, por ter sido cometido com intento prévio e com arma de fogo“.
O Juiz de Garantias Sergio Pichetto determinou a abertura de um inquérito, com prazo de quatro meses, e decretou a prisão preventiva do acusado para evitar risco de fuga e obstrução da investigação. Essa situação pode atrapalhar o traslado do corpo para o Brasil e a transferência de tutela das crianças, que estão sob guarda da SENAF (Secretaría Nacional de Niñez, Adolescencia y Familia).
Barriga solidária
A relação entre Eduarda e Fernando teria se estreitado quando ele a procurou em busca de uma barriga solidária —espécie de barriga de aluguel, mas sem contrapartida financeira. Fernando, com o seu marido, um homem de nome Marcelo (seu sobrenome não foi revelado) acompanharam a gestação e Eduarda, então, deu à luz gêmeos.
Nascidos em 2019, o casal de gêmeos estava sob a tutela de Fernando e Marcelo na Argentina, ainda que Eduarda aparecesse nos documentos como progenitora.
Eduarda passava temporadas em Bariloche trabalhando em um hotel, mas voltava para ficar parte do ano em Angra dos Reis, onde atuava como marinheira civil e estava focada em continuar a faculdade de administração. Segundo Wallace, foi Fernando quem primeiro fez a ponte dela com o trabalho na Argentina.
A jovem teve ainda outra filha em outubro passado, além de outros três filhos que vivem no Brasil, mas sem relação com nenhum deles. O pai biológico não assumiu a criança, e Fernando pediu para ser colocado como pai na documentação da criança. Eduarda concordou.
Marcelo teria morrido de Covid-19. Desde então, Fernando e Eduarda, com as três crianças, conviviam na mesma casa.
De acordo com o irmão de Eduarda, “Ele (Fernando) era de Angra dos Reis também. Éramos amigos virtuais, nossas famílias se conheciam, e ele já trabalhava no hotel junto ao marido, um argentino chamado Marcelo, que era mais velho e já morreu“, diz Wallace, afirmando que a família sabia da barriga solidária. “Tínhamos orgulho dela por isso“.
Choque para a família
Ainda chocado com o brutal assassinato da irmã, Wallace conversou com Universa por telefone, ao lado da mãe de Eduarda, Maria dos Santos, e da avó paterna, Eronilda dos Santos. A família contou que ela era boa aluna na infância e na juventude em Angra dos Reis (RJ) e se transformou, segundo eles, em uma mulher comunicativa e que não tinha raiva de ninguém.
“Não existia tempo ruim para ela“, comentou a mãe, apontando a energia positiva e a coragem de não depender de ninguém que Eduarda tinha.
Infelizmente, a vida dela foi interrompida por alguém a quem não tenho nem palavras para adjetivar porque não cabe a mim fazer isso.
Psicólogo do Ministério Público Estadual em Volta Redonda (RJ) há anos, Wallace falou, ainda com a voz embargada, sobre a relação próxima que tinha com a irmã. “Em 27 anos, ela nunca me chamou pelo meu nome. Era sempre irmão“.
Ela era minha melhor amiga, minha companheirinha. Pode parecer démodé, mas era isso. Ela era meu arroz com feijão, a gente se completava.
“Neste momento, o corpo da minha irmã faz parte de um processo criminal, então precisa de uma autorização do juiz para a transferência“, comentou Wallace. “No caso da filha mais nova, achamos que é possível que seja mais fácil essa liberação. Mas quanto aos gêmeos, seria necessário conversar com a família remanescente do Marcelo na Argentina“.
Wallace disse à reportagem que iria para a Argentina para iniciar os trâmites burocráticos junto ao consulado brasileiro e um advogado argentino. A família organizou uma vaquinha via pix, já que precisa de cerca de R$ 20 mil para o traslado. “Falta mais da metade desse valor“, disse a mãe de Eduarda.
Com Universa e Folhapress