PERFIL NO TINDER
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Eu bem podia começar com algum clichê do tipo “olha eu aqui de novo”, mas refuto clichês e frases prontas. Quando leio no perfil “a minha meta é ser feliz, não perfeita” ou que “água morna não serve nem pra chá. Gosto de atitude!”, dou um X. Isso e fotos fazendo beicinho. Se for foto fazendo beicinho usando um boné dalgum time de futebol americano ou dum rapper do mesmo país, denuncio o perfil por disseminação de mau gosto. Também tem os “não entro muito aqui, chama no Insta”. Bem esses são as caça-seguidores.
E tem aquelas que põem fotos dos filhos. Ora, quem quer arranjar alguém (pra casar ou transar) é ela, não a criança. Se ela quer avisar que tem filho e que ele é prioridade ou “tudo pra mim” (outros clichês, pois qual mãe não pensa assim?), não precisa expô-lo. Aliás, comece por protegê-lo sem o exibir num app de relacionamento a milhões de desconhecidos com as mais variadas intenções.
Mas, tergiverso. É o meu perfil, não uma análise dos alheios.
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Aprendi com um grande gramático, Paulo Flávio Ledur, que não devemos escrever o óbvio. No curso, ele criticava o “venho por meio desta” que amiúde abrem as correspondências oficiais. Ora, é evidente que se está vindo “por meio desta”. Fosse outro o documento usado para a comunicação, estar-se-ia segurando outra folha. Enfim, vou abrir meu perfil dispensando o aviso que voltei. Se estou no Tinder, não preciso redundantemente avisá-las de que lá estou. Novamente.
Algumas informações que julgo serem necessárias eu não vou exibir assim, na descrição. Há que se ter assunto para o pós “oi, tudo bem?”. De modo que não descrevo onde moro, minha profissão, que tenho filha. Também não explicito “o que busco no Tinder”. É que nem eu sei. E, quando me fazem essa pergunta, respondo de acordo com a pessoa. Até porque a resposta pode francamente mudar de acordo com a pessoa.
Outras características, no entanto, virtuosas ou não, é de bom tom já colocar. Sim, pois se espera que haja um mínimo de identificação e conexão entre as duas partes envolvidas. Ou entre as três ou quatro, pois percebo o perfil de muitos casais em busca de solteiros ou outros casais. Nesses, dou X.
Depois de selecionadas as fotos em que aparento felicidade, alegria e ter um monte de amigos numa vida aventureira e sem estar no cheque especial, é o momento de (me) (d)escrever.
-de humanas, não consigo completar sudoku e nem fazer a declaração de IRPF;
-viciado em ler jornais velhos;
-gosto musical: prefiro MPB e samba, mas escuto de tudo, menos fânqui;
-não gosto de estrangeirismos, por isso não escrevo funk;
-filmes: estrangeiros, dramáticos e policiais. Comédias e românticos só se conseguir alguém no Tinder pra assistir comigo. Sozinho não tenho paciência. Os com o Denzel Washington, Ricardo Darín e Robert De Niro; e os do Pedro Almodóvar são de assistência obrigatória. Os últimos nacionais precisam tornar mais verossímeis seus roteiros;
-séries: não vejo. É muito compromisso assistir a vários episódios (mas não que eu fuja de compromissos, não me interprete mal…);
-literatura: leio tudo que me chega às mãos. Na verdade, começo. Se for ruim, não tenho melindre de abandonar o livro e pegar outro. Meu preferido é Jorge Amado e crônicas. Atualmente, lendo Aristóteles e a Bíblia;
-passei da idade de videogame. Mesmo quando tinha a idade, não os jogava;
-bebo socialmente (mentira);
-não sou muito de balada. Na verdade, na época em que eu saía, nem se chamava de balada, ainda.
-adoro desafios e detesto rotina (outra mentira que escreverei só pra aumentarem meus láiques. Gosto da segurança previsível da zona de conforto);
-por fim e mais importante: sou fora Bolsonaro, e acho que o Brasil precisa dum governo progressista e de esquerda.
Pensando bem, sei o que procuro no Tinder: uma mina gata e esquerdista. Já consegui outras vezes. E, pensando bem II: o professor Ledur que me desculpe, mas, “gurias lulistas, voltei!”
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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